GRAMÁTICA PORTUGUESA PELO MÉTODO

CONFUSO

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A Quem Interessar Possa

 

Grammatica Portugueza Pelo Methodo Confuso, esse é o título de uma obra editada em 1928 e reeditada em 1984, em fac-similie, pela FCAA - UFES, em parceria com a editora Rocco, dentro da clássica coleção Letras Capixabas.

Hoje, esta obra do médico, escritor, pintor, desenhista e caricaturista José Madeira de Freitas (1893-1944), publicada sob o pseudônimo de Mendes Fradique, está um tanto esquecida, embora seja o livro de cabeceira de bons escritores. Ah, não vá confundir essa alcunha com a de Fradique Mendes. Esta pertence ao cosmopolitano personagem de Eça de Queiroz no qual Madeira de Freitas se inspirou para criar seu pseudônimo.

Freitas baseava-se no Método Confuso para elaborar seus livros de caráter supostamente "didático". Tudo no livro está sob os efeitos desse método, desde a capa até a última linha. Tudo é objeto de confusão-humor. Por exemplo, na maioria das notas de rodapé, ele simplesmente não executa nenhum elo de referência com o texto corrente. Suas citações direcionam-se para receitas culinárias, medicinais ou observações curiosas (Se as toalhas e guardanapos estão manchados com chá, podem ser tiradas essas nódoas applicando-lhes glycerina).

Se você achou estranho o título da obra, mais estranho ainda, achará a obra em si, pois ela representa a desestruturação da gramática tradicional, que começa no silogismo da página inicial:

"Grammatica é a arte de fallar e escrever incorrectamente uma lingua. Segundo affirmam os grammaticos, a grammatica é o conjunto de regras tiradas do modo pelo qual um povo falla usualmente uma lingua. Ora, o povo falla sempre muito mal, e escreve ainda peiormente; logo, não é de estranhar que seja a grammatica a arte de fallar e escrever incorrectamente uma lingua".

Ora, se fossemos levar em conta este conceito, daria para encaramos o MSN e orkuts com um pouco mais de humor. Humor que vamos encontrar neste trechos que Fradique faz quanto aos cânones gramaticais:

"As pessoas grammaticaes mais conhecidas são cinco: Mario Barreto, João Ribeiro, Laudelino Freire, Assis Cintra."

"No Telefone, a primeira pessoa é a que fala; a segunda é a que não ouve; e a terceira é a Light (Tercius Gaudet)”. (p. 64)

"Substantivo é a palavra que designa o ser. Ex.: Pedro, tinta, gato. As vezes designa o não ser. Ex.: nada, zero.” (p. 53)

"[...]. O substantivo póde ser primitivo ou derivado. É primitivo quando já se não usa mais. Ex.: roupa feminina, cabellos pentaveis, política choreographica, probidade política, direito de voto, tilbury, bacamarte, pudor literário, pão ao domingo, café de café, peixe fresco, vassoura, etc.".

derivado quando procede de outro substantivo Ex.: queijo, que deriva de leite.” (p. 55).

"[...]. As palavras que, no masculino, terminam em eito, fazem o feminino em ama: leito – cama, peito – mamma, conceito – fama, sujeito – dama."

Das vogaes

A - Lettra que se pronuncia com a bocca escancarada. A primeira letra do alfabeto, provalvemente por ser a mais antiga. [...]

O A é muito empregado como accumulador de radio: Ex.: Bateria AA, AAA.

O A serve de nome a todo ilustre desconhecido que se intromete na conversa. Ex.: Não culpo a A nem a B(*).

B - é a primeira lettra da palavra bitola. B maiúsculo é bitola larga.[...]

E - Segunda vogal. Emprega-se frequentemente como iniciaes dos annuncios de Empresta-se dinheiro, etc.

Também se emprega nas taboletas de Estrada de Ferro e Engenho de Dentro. Ex.: E. de Ferro, E. de Dentro.

I - Esta vogal serve comunmente para marcar as horas no quadrante dos relogios. Tem ainda outros empregos na linguagem; um d’elles é servir de primeira vogal desta palavra.

O - Vogal nulla, quando posta a esquerda dos algarismos. Ex.: 0,8 0,54 0,985(*)

Multiplica o algarismo por dez quando acrescentado á direita d’elle. Ex.:40 50 60(**)

(*) Estes numeros podem servir para palpites, ou taes quaes ahi estão, ou combinados á vontade do leitor.

(**) Esses também servem para palpite.

O o entre dois SS exprime sempre grave perigo.Ex.:SOS

U - Esta vogal é a única do alfabeto que raramente se pronuncia. Ex.: Que pronuncia-se Qê; Quinto, Qinto; Mesquita, Mesqita; Quem, Qem.

É tão inutil a lettra vogal U que, não raro, se faz substituir por outra qualquer, quando o som u é indispensável no discurso.

Ex.: EX FVMO DARE LVCEM (Ahi, como se vê, é mesmo por v que substitue o u).

Grammatica Portugueza Pelo Methodo tem seus seguidores, basta, por exemplo, citar Millôr em sua coluna na revista Veja. Observe, entre tantos, este título, da edição de três de dezembro de 08: X (DEZ) NOHTAS. E mais adiante: "Olho meu relógio, última palavra da tecnologia. Mas é feito de quartzo – cristal triâmico com 60 milhões de anos. P.S.: o quartzo fica entre o terzo e o quintzo".

E..., salve-se quem puder! ®Sérgio.

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Para maiores informações a respeito do assunto ver: FRADIQUE, M. (1985): Gramática portuguesa pelo método confuso. 4ª ed. Vitória, ES: Rocco/Fundação Ceciliano Abel de Almeida/UFES.

Se você encontrar erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário.

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 03/03/2009
Reeditado em 14/06/2013
Código do texto: T1467834
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