Domingo Comum

São sete horas da manhã de um Domingo e meu alimento favorito ainda é uma boa taça de vinho... Entre os dedos, um cigarro, que se desintegrando lentamente pelo esforço quase sutil da tragada, me destruirá também sutilmente.

As palavras de Erasmo de Roterdã sobre a loucura ou mesmo o grito de Schopenhauer pelo Livre Arbítrio digerem minha mente ao som de Aerosmith enquanto desce seco pela garganta o gosto do cereal esquecido... Com leite? Que alimenta e engorda os bezerros para seu triste acaso? Não, sempre com vinho... O velho barqueiro que usurpando com feição e benevolência termina por levar crianças meigas a outros lugares....

E não seriam estes os mesmos de outrora? Ah... lá está Gito, queimando entre garrafas vazias e fumando seus 40 cigarros sem sentido. E eu que quase não notei. Mas alguém continua a se ocultar por detrás da porta e isto também não mais importa.

Noite passada fui prisioneira, você acredita nisso? Não me lembro o porquê , mas sei que com certeza eu devo ter sido uma garota muito má... E por isto, estive na prisão. O que Freud diria se eu lhe dissesse que sonhei que estava terrivelmente presa? Talvez ele dissesse que algo do meu mundo supostamente real estivesse fazendo de mim uma prisioneira... Ou talvez ele só dissesse tocando de leve o queixo: “Sente-se, vamos conversar um pouco...”. Quem sabe ele fizesse silêncio. Tudo fazia soar o alarme e o alarme parece estar soando agora ainda. Não quero mais ser má, não posso... Seria como destruir o que resta de mim mesma. Mas tudo que faço ou penso ou sinto me conduzem involuntariamente a fazer jus a este título.

Sou só mais um em um milhão. Mais um gado estupidamente numerado... O grito no meio da noite ou quem sabe a própria ferida bichada do universo. Mais uma costela sangrenta no corpo desta nação. Só contemplo a morte em lugar de rosas, sem adornos, prata ou ouro.

Deveria mastigar e engolir tudo agora... Mas acho que escolho cuspir e me recolher para meu próprio mundo enquanto repouso minha taça em outro lugar...