DISCUSSÃO SEM SENTIDO

  Baseado em minha experiência de vida e limitações concernentes (como a maioria das pessoas) procuro responder aos assuntos correlatos do cotidiano (garimpando informações que sejam suficientes para encarar cada um deles). Evidente que nem sempre as pessoas próximas (ou distantes) estarão concordes com meu pensamento, com meu modo de encarar as questões e procurar resolvê-las. Daí a oportunidade delas procurarem estabelecer claramente os seus posicionamentos, focadas nas questões e com o intuito de resolução. Mas uma coisa vem se tornando fato para mim: muito do que se procura explicar às outras pessoas, muitas delas não procuram compreender e não é por falta de buscar o diálogo, especificar os argumentos do porquê. Muito pelo contrário. É exatamente porque, pelo costume adquirido na contemporaneidade de tentar resumir tudo (a notícia, o fato, a escrita, a leitura, o pensar e, consequentemente o entender) é que são geradas as controvérsias (em Ciência [qualquer uma] se pode aprender que simplificação de argumentos é sinônima de erro; o que se deve simplificar é o processo e, consequentemente, o “produto final”). É inadmissível que uma pessoa, teoricamente letrada, seja incapaz de buscar entender o significado das palavras, expressões do pensamento, que devem ser resultado, por isso, do pensar, do refletir. Se gasta muito tempo para se fazer entender, pela leniência na aquisição de vocabulário de uma infinidade de formandos que, no mais das vezes, só sabem como papagaios repetirem exatamente o que conseguiram amealhar na vida escolar (quando não da vida “colar”). Aos analfabetos funcionais é possível desculpar, já que os meandros e vicissitudes na temporalidade deste planeta nem sempre permitem a muitos deles (no mais das vezes desejosos do saber) acessarem sem muita dificuldade às informações. Porém, aos internautas plenos, os plugados, os em formação e/ou formados, os que têm mais facilidades tecnológicas, os que em teoria deveriam ter estado adquirindo mais profundidade em todos os assuntos pertinentes à situação onde estão localizados, é intolerável a preguiça de informarem-se, de esclarecerem-se. Tendo continuamente diante de si um computador conectado, há muitos que não se dão ao trabalho de pesquisarem, se acercarem do significado, de como existem ou deixam de existir certas condições na sociedade, procurando saber as causas e as consequências, as responsabilidades individuais e coletivas. Ficam, na maioria dos casos, bitolados, obtusos, por pura preguiça de querer pensar, de querer refletir e denotam (demonstram ao pronunciarem-se) estupidez e imbecilidade quando se deparam com qualquer coisa que tenha profundidade e seriedade. Assim, quando têm que opinar, esses não buscam cabedal suficiente para colocarem as suas idéias claramente e, quando se deparam com pensamentos especificados, elaborados, se confundem, não tendo o cuidado de buscarem desemaranhar a teia de confusões estabelecida em suas mentes. Dizem, escrevem, dão palpites [a meu ver, lugar de palpite é nos jogos de azar, nas loterias, onde podem, se é que se deram ao trabalho de saber disso, se lançarem nas probabilidades matemáticas de acerto]. Um diálogo sério, quando há propósito sincero de análise da vida, não permite palpites. Permite sim, argumentos, escuta, partilha de opiniões. O resultado atual vem sendo plantado pela desestrutura de vários pilares básicos como educação, educação, educação e educação. Educação familiar, educação comunitária-social, educação escolar e educação individual, as quais cito passageiramente aqui, sem entrar em maiores detalhes nesse momento. Seria engraçado, não fosse cômico, constatar que tem muita gente imaginando que um conforto atual (qualquer um) apareceu de repente, como se não houvesse processos, gestação de idéias pertinentes, para que tais e tais avanços tecnológicos estivessem hoje à disposição dos cidadãos. Daí, talvez, se explique a mentalidade de não se pesquisar, se ir atrás do porquê das coisas. Como se não houvesse uma história de desenvolvimento coletivo, que perpassa o desenvolvimento individual. Espera-se que uma pessoa, medianamente instruída, seja capaz de ler e entender o que diz um texto simples e claro. Mas qual o quê! Estão aí as provas, para quem quer que seja avaliar (quem quer que queira) e verificar qual é o grau de absurdidade que impera em muitos dos intelectos que campeiam por esses “Brasís”. [Aqui, pode aparecer um desses indagando “Que provas?” ao qual recomendo a mesma solução que serve para os casos anteriores aqui citados: “Vá pesquisar! Vá esmiuçar! Procure! 'Buscai...assim encontrarás'”]. Se entramos numa conversa, discussão [aviso: discussão não é briga, embora muita gente pense como se fosse esse o aspecto original – aliás, existe a expressão “da discussão nasce a luz” que quer dizer “através do diálogo, da exposição de idéias, dos argumentos, das buscas de informações suficientes para resolver uma questão” – senão a expressão significaria “da briga nasce a luz” o que seria imbecil afirmar, embora, desconfio, haja quem assim imagine] é possível estar munidos de pelo menos duas coisas: a) o conhecimento da causa e da consequência (os quais podem ser buscados); e b) o desconhecimento da causa e da consequência (em virtude do qual devemos estar atentos em querer aprender). Contudo, o que se encontra, em muitos casos, é que pessoas, despreparadas (e isso não é problema desde que se assuma o despreparo para buscar a preparação) se entretêm em abordar as questões gerando desentendimentos. Uma pessoa, dentro de um círculo de discussão, de repente faz uma observação qualquer e, uma outra, sem saber ao certo o significado daquela observação, se põe a desancar asneiras, no mais das vezes impertinentes à questão central, desfocando o círculo. Se uma pessoa, dentro de um determinado grupo, oferece uma proposta para ser avaliada é porque considera importante a avaliação, ponto por ponto, daquilo que propôs (a menos que queira apenas fazer engolir-goela-abaixo usando-a como artifício de referendo). Se um cidadão, franco, honesto, desejoso de melhorar aquela proposta, por esse ou aquele argumento, pronto: pessoas, muitas vezes concordando com a melhora, sem verificar exatamente o que foi exposto, se metem a fazer objeções iníquas, inconvenientes, recheadas de observações ridículas, desvirtuando o assunto. Assim, muitas reuniões ou a maioria delas são improdutivas, resultam em nada ou quase isso. Daí é que eu pergunto o por quê desse “Ve-de-bê-a-pá” (parodiando Stanislaw) vendaval de besteiras (embora respostas muito bem pesquisadas e elaboradas estejam disponíveis, em diversas concepções, como em “Ansiedade de Informação” de Richard Wurman), dessa infinidade de más-interpretações que conduzem a discussões sem sentido, baseadas em banalidades. Será que é tão difícil sair da mediocridade, pesquisar (e se há preguiça de ler livros, clicar num Google) buscar saber do que se trata exatamente, para depois opinar ao invés de palpitar? Tenho observado que muitas pessoas que têm dicionários (tem gente que não tem?), quando se deparam com uma palavrinha da qual têm dúvida do significado, em um texto, “passam batido”, achando ter entendido (o contexto define, dizem muitos dos confusos) o que quer dizer realmente o autor. Quando ocorre dúvida, por menor que seja, diante de uma discussão sadia, necessário é procurar saná-la (há que admitir a ignorância em si para se querer aprender de verdade), por que é a partir da dúvida que não se busca dirimir, do que se diz ou do que se fala, que surgem desvios do eixo da discussão. E, quando começa a ocorrer o desvio do eixo principal da discussão, perdem-se em temas outros, em divagações irrelevantes quanto ao objeto, quanto ao sentido. Nesse desvio, muitos se envolvem e não conseguem se livrar da discussão sem sentido e, aquilo que poderia continuar a ser uma conversa, um diálogo, uma proveitosa troca de informações, experiências, é despejado num esgoto de asneiras, de bobagens, de ofensas pessoais. Há uma mudança que troca o sentido da discussão por outras questiúnculas de somenos, vazias. Aparecem preconceitos, manias, modelos sem nexo, generalizações infundadas. Surgem expressões negativas em torno do que deveria ser comunitário (uma espécie fascista do tipo “Ame-o ou deixe-o”), fazendo com que sejam esquecidos os pontos principais da conversa. Esquecem-se que as palavras são formas de expressar o pensamento e que há formas tão diferentes para se definir qualquer coisa. Os conceitos nem sempre são os mesmos e aí, ao invés de se buscar entender uma dificuldade de compreensão, indagando acerca do significado, colocando o que se entendeu e se aquilo que foi entendido é realmente o que se queria dizer, fica-se no mesmismo individual, onde a pessoa não sai de braço aberto para aprender (isso acontece muito com regionalismos, com traduções e muito mais mesmo da ignorância não assumida. A pessoa compara seu pensamento com aquilo que recebeu expresso de outro pensamento e julga ser dicionário eficaz, como se tivesse todas as expressões do mundo em si mesma. Deduz coisas assombrosas acerca de coisas simples e quer simplificar coisas gigantescas. Só pode dar mesmo em confusão. Nesse momento, há necessidade do ressurgimento do bom-senso, que induza às pessoas pararem e raciocinarem (interpelarem a si mesmas), o que nem sempre (ou quase nunca) é fácil, porque, no mais das vezes, fica um ranço, difícil de ser superado no grupo, envolvendo alguns intervenientes. Vai se procurar recolocar o conteúdo proposto porém, assim mesmo, ainda poderá haver uma rixa mau-resolvida que poderá germinar outros desvios (embora sejam identificáveis aqueles que entram numa reunião apenas para expor suas diferenças pessoais, impertinentes, que estão sempre querendo desviar o grupo do foco, do objeto, do sentido). Discussões sobre código de ética se tornam baixaria, com os componentes mostrando todo o seu furor aético, o que seria interessante, não fosse triste. Surgem difamações, ataques pessoais, tentativas de controle de posição (aquilo que deveria ser discutido abertamente, com idéias (idéias) antagônicas [o que deve ocorrer, senão é discussão à toa mesmo] mas pertinentes, desaba num infindável desfilar de verbetes da intolerância, da injustiça para com os outros participantes que desejam realmente resolver as questões propostas, que têm critérios [segundo uma professora minha de Bio-ética, há algum tempo já, uma discussão deve ser suspensa ou até mesmo encerrada quando aparecem mais as palavras “sempre” e “nunca”). Desses e de outros absurdos é que vemos, pasmos, senão todas, na maioria das vezes, nascerem discussões sem sentido (em pleno século XXI), que demoram quase que uma eternidade para serem encerradas (há uma perda de tempo irrecuperável); pode? Parece que pode, porque experiências recentes têm demonstrado muitos disparates. Mas, sempre resta a esperança... quem sabe as pessoas deixem de ignorar os detalhes fundamentais, procurando critérios claros para se expressarem, balizando-se para considerarem mais os objetivos na busca de um consenso, avaliando o já exposto evitando a repetição de pormenores, focando numa discussão que preserve o ambiente sadio do grupo, com uma linha de ação construtiva (ao invés de destrutiva)? Quem sabe, por outro lado, isso aqui também tenha se tornado uma “discussão sem sentido”?

“Cada um pensa principalmente em si, quase nunca no interesse público” [Aristóteles]