Até que o Ronco os Separe!
 
            - Você ronca.
            - Eu não.
            - Ronca sim. E ronca muito...
            Eu a encarava enquanto as olheiras moldavam seus olhos insones. Linda, muito linda, apesar do cabelo mal arrumado, da falta de batom e do olhar cansado de peixe morto. Segurava uma caneca de porcelana de café com leite. Sorvia a bebida lentamente enquanto, provavelmente, na sua cabeça arranjava uma maneira menos selvagem de alertar-me para o problema que poderia por fim a uma relação perfeita.
            - Você tem que dar um jeito.
            - Eu? Mas o que eu posso fazer? – dizia isso enquanto passava a manteiga no pão.
            - Procure um médico.
            Creio que cabe aqui uma pausa pertinente. Existem muitas diferenças entre homens e mulheres. Algumas são evidentes, mas a grande maioria é sutil, disfarçada sob um código de conduta nem sempre transparente. Minha doce e gentil esposa queria acabar com meu ronco, mesmo que nisso resultasse minha própria extinção. Retornou ao assunto de modo lateral, correndo pelas beiradas como uma enxurrada.
            - Sabe a Mariana e o Antônio?
            - Hum. Hum. – cabe aqui outra pausa pertinente: o ¨hum, hum¨ é uma forma masculina e sensata de dizer um montão de coisas sem entrar nos mínimos detalhes. Dois homens podem conversar durante horas simplesmente trocando ¨huns,huns¨, enquanto este feito seria inconcebível para as mulheres.
            - Estão dormindo em quartos separados.
            - Jura? – e novo pedaço de pão com manteiga era preparado. Olhava-me de modo fulminante com a caneca nas mãos, cotovelos na mesa e a camisola de algodão grosso com mangas compridas cobrindo o belo corpo.
            Eu sabia exatamente o que ela queria dizer. Essa é mais uma das sutis diferenças: homens costumam ir direto ao ponto, já as mulheres, ficam dando voltas em um eterno carrossel. A gente, se quiser, tem que adivinhar. Se o diálogo inicial fosse entre dois machos obrigados a dividir um quarto, seria mais ou menos asssim:
            - Ô mano véio! Ou tu para de roncar ou te jogo pela janela! – pronto, tudo simples, direto e funcional, sem voltinhas ou rodeios.
            Fiquei o resto do dia preocupado, é claro, mas sem a histeria típica das mulheres. Durante a folga do trabalho, tenho que escrever assim, por que o chefe pode estar lendo a coluna, deparei-me com uma notícia redentora. Tratei logo de copiar, colar e imprimir. Sentia-me aliviado e poderoso, ansioso para voltar para casa. Descobrira a solução do problema. Cheguei em casa e já fui logo chamando:
            - Benzinho...
            Mostrei a notícia enquanto ela assistia à novela das sete no sofá e ficando aconchegado ao seu lado.
            - Leia, leia...
            Enquanto lia a notícia, via seu semblante ficando pálido e irritadiço. A matéria dizia que antropólogos afirmavam que os roncadores, na verdade, são os sobreviventes dos tempos ancestrais. Imagine 30 homens da caverna roncando juntos. O barulho era ensurdecedor e dava aos predadores noturnos como os lobos, leões e tigres-dente-de-sabre, a impressão de que uma colossal fera estava dormindo por ali. Dessa maneira a tribo roncadora sobrevivia. Enquanto isso, a tribo dos não roncadores ao lado era devorada ou quase dizimada. Dessa forma, sou um sobrevivente, um herdeiro dos bons genes responsáveis pela sobrevivência da nossa espécie. Abracei-a com carinho triunfante. Viva Darwin! Ela jogou a notícia de lado e não emitiu nenhum comentário. Dois minutos depois disse:
            - Ou você dá um jeito ou te jogo pela janela!