A Parábola do Desitno, da Imensidão e do Nada.

A PARÁBOLA DO DESTINO, DA IMENSIDÃO E DO NADA.

Nunca vi o Destino e nem sequer posso ter uma noção a seu respeito, razão por que não posso descrevê-lo aqui. Sei apenas de suas idéias, que sempre foram tremendamente confusas.

Destino era ateu - disse-me, sem se oferecer aos meus olhos. Não conheceu seus pais e era triste por isso. Não sabia como nascera, e o “Nada” zombava dele. Jamais pode contar os anos - não aniversariava - e isso fez dele o mais infeliz dentre os infelizes, pois Destino era uma criança. E qual a criança que não sonha com os aniversários? Destino não tem amor - nunca teve - e por isso zomba dele a “Imensidão”. Suas festas, nos corredores dos séculos, não atraem ninguém pois não têm a volúpia do “rock”, a voz da Maysa, o bálsamo do uísque ou as lágrimas - de um violão. Seus convivas são sempre os mesmos, e esses lá vão por piedade: o Nada, o Espaço, o Tempo e a Imensidão. Ora bolas, que festas enfadonhas devem ser, sem o murmurar das mulheres . . . São as festas dos intocáveis . . . Que murmurem!

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Destino era ateu - disse-me - e confesso que ri ao saber disso. Destino olhava os mundos, via os prazeres e . . . via a lágrimas. Via a grandiosidade do belo sob céu azul, pisando o lodo do Inferno. Fugia-lhe o gosto estético ante o formidável do caos social. Destino não podia crer num Deus indiferente à maldade!

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Aconteceu que um dia, caminhando pelo etéreo, Destino encontrou um pequeno asteróide. Para ser exato, encontrou o asteróide que classificaram de B-616

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“Ora - pensou - estranho não tivesse percebido ainda a existência desse corpo celeste. Deve ter sido imaginação de alguém. Deixemo-lo ficar”. Destino abriu as asas de sua indiferença e virou as costas para partir. “Ora - pensou - deve ser imaginação de alguém. Esse negócio não existe !”

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A fumaça de um cigarro incomoda tanto que chega a irritar-me. A fumaça dos vulcões apavora os alegres habitantes das ilhas dos mares do Sul. Herculano e Pompéia sofreram a fúria de um vulcão e o Micado presta culto de respeito ao imponente Fujiama. Mas, lá, no B-612, Destino pisou despreocupadamente um vulcão. Ora, vamos rir. Era um vulcão de criança: uma coisa insignificante. De mais a mais, a coisa estava no tal asteróide e o tal asteróide não existia. Logo, o vulcão não existia, como Deus não existe! “Mas, pensando bem - ensimesmou-se Destino - fiz um estrago no montinho. Existindo ou não, vou tratar de desaparecer, que o dono dele pode surgir de repente”.

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As lágrimas são o meio mais sublime de transmitir-se um sentimento. Se a música acalma as feras, as lágrimas apagam as chamas do Inferno. Quando as lágrimas não são percebidas, um soluço nos dá conta de sua presença. Foi exatamente o que se passou no B-612. Destino já se aprestava a partir, seguindo sua caminhada inútil, quando ouviu um soluço. Ora, ora, um soluço! Quem soluçara poderia ter dito: “tira o pé do meu vulcão!” Seria lógico, muito mais lógico do que soluçar estupidamente. Mas, qual nada: até Destino não chegou aquela reprimenda. Muito ao contrário. Chegou-lhe aos ouvidos um soluço, um soluço daqueles que a gente dá quando as lágrimas não podem ser contidas. Lembro-me bem . . .

Já solucei assim. Meus olhos, não os senti. Meu corpo, não soube dele, mas o meu coração e a minha alma, senti-os despedaçados e mil sonhos de felicidade fugiram-me pelos olhos, em forma de lágrimas. E eu nascia para a vida . . . Meus soluços, ninguém ouviu . . . só Deus, talvez . .

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Os soluços lá do cosmos, ninguém ouviu, só Destino. Destino parou, e movido por estranha e incontida força, voltou os olhos para onde ouvira a voz. E viu, a poucos passos dele, grande para o meteoro que não existia, um pequeno Príncipe, que também não existia. Destino fechou os olhos. Como um bravo que aceita a derrota quando nada mais pode esperar. Destino curvou a cabeça ante o pequeno Príncipe . . .

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. . . E ali, num asteróide que não existia, as lágrimas de um pequenino Príncipe que não existia, disseram a Destino da existência de Deus!

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João Bosco Costa Marques.