O Homem Que Veio de Marte
O Homem que veio de Marte
Eu não sou desse mundo. Sim, vocês vão até estranhar, achar que estou delirando, mas não sou desse mundo. Senti isso na pele desde que nasci. Era uma criança arredia, ensimesmada; sentava-me por horas no tamborete, a olhar o nada...
“Ele é estranho, esquisito...há,há, que tonto!...
Sim , mas esses seres estranhos, de outro planeta, também têm sentimentos, embora não pareça. Ah, esses seres da Terra, todos tão iguais, com as idéias dentro da moda até o último fio de cabelo; nem um deslize, por mínimo que seja, é perdoado. Ah, humanidade cruel; e se julga compassiva e filantrópica... Doce encenação!
Nós, homens de Marte, somos voluntariosos e temos nossos caprichos: por que isso tem de ser assim e não assado ? E... se gosto mais do lilás do que do azul é só uma discussão de gosto e de sabores e... nada mais do que isso. Os marcianos são tão mais tolerantes; acham-nos brutos, de mau gosto; não! Nós olhamos o ser como um todo e não apenas banais aparências !
E como vim parar nesse mundo cruel? É o que me pergunto com meus botões...Ah, nada da nossa concentração marciana, que quer apreciar cores e sabores, as texturas, o colorido...Eles querem tudo correndo e não apreciam nada.
Chamam alguém de amigo quando encontram um mártir que está disposto a ouvir lamúrias e mais lamúrias de sua desgraçada vida; queixam-se, mas estão todos cada vez mais gordos e felizes com suas vidinhas. Um marciano jamais se queixará da vida; ainda que sofra as mais cruéis dores, sempre olhará nos olhos e não precisa de amigos, pois todos já o são naturalmente e por toda a vida , não de ocasião, como entre os humanos.
Mas e eu, condenado a viver entre esses seres tão diferentes de mim? Sempre fui um pária, um deslocado, um destrambelhado. Ah, a humanidade...não perdoa um milímetro do que destoa, embora seja pródiga em defeitos gritantes... mas, estou eu a me queixar ? Que nada!
Constato um fato: a criança é cruel, o jovem é mais cruel e o adulto, nem se fala...só que o adulto tem um leve e mal feito verniz de cordialidade, sem o qual voltaríamos às cavernas, para o que não falta muito. Com efeito, talvez estivesse melhor vivendo entre os primatas. Qualquer marciano é totalmente incapaz desses atos obscenos.
Mas esses marcianos têm uma coisa: sentimento. E quando os amiguinhos torciam o nariz e brincavam de má vontade ? E quando não me chamavam para suas festas ? E há pior sentimento do que se sentir um ser desprezado, que não se enquadra nas suas ridículas normas e convenções ?
“Ele é um estranho”- e me rotulam; é fácil colocar rótulos; isso é bom, isso serve; aquilo não serve; classificar as coisas por seu juízo tosco e imperfeito. Assim se regozijam e se acham acima do bem
e do mal. Mas o marciano é sensível, profundamente sensível; seu gosto é refinado e um ganido ou uma voz estridente perturba seus sentidos.
Em poucas palavras: nós, marcianos, sabemos o que queremos; vivemos, não por viver, mas com um propósito; repartir, para nós, é natural e não o acumular.
Ah, e esse vernizinho moral que todo ser humano porta! Todo o mundo mete a mão, mas são excelentes atores, e como representam bem; fazem-se de castos e falsos moralistas. Um marciano não entende isso; para ele pão é pão, queijo é queijo; só gostamos da representação no teatro.
E que necessidade que o homem tem de inflar-se, jactanciosamente, querendo iludir os outros sobre sua cegueira. He seres inflados, que se gabam, se vangloriam, se entumescem para mostrarem seus galões a não sei quem...E os que se disfarçam, querendo ridiculamente parecer mais novos ou mais velhos ou mais magros ou mais cheios ? Nunca estão contentes com nada, nada está bom; comem, comem e depois fazem regimes e... os comerciantes faturam...
Ah, tão diferentes nós, marcianos; somos feios, bonitos ? Para vocês podemos ser feios, mas para nós...nem reparamos nisso; vestimos a roupa mais à mão; não olhamos aparências, mas o coração enorme que pulsa em nosso peito...
Ah, tristeza de viver nesse mundo tão diverso de mim, cheio de humanos que mal se olham e julgam conhecer sua alma. Olho para o céu, vejo Marte brilhando, com sua cor vermelha no firmamento...Lá é meu lar e lá estão meus pares. Não somos melhores ou piores que os humanos; somos apenas nós.
Não, não sou desse mundo, mas quem disse que quero ser ?