Crônica da Alma "Não sei em qual página, mas escrevo!"

Minha alma pusilânime. Tento externa-la ao escrever, como um grito ruidoso, gutural, uma risada intranqüila, como um beijo no rosto de uma estátua imóvel.

Escrevo para tentar salvar minha própria e inebriante vida. Mas viver é uma loucura que a própria morte a faz?

Apraz-me em contentamento ante o último respirar, vivam os mortos porque neles, porque que neles eternizamos a vida. De repente nada mais faz sentido, vida, morte se imbricam, uns dizem que nascemos para morrer, outros que começamos morrer ao nascer. Contudo, satisfaço-me em ser. Tu és? O não sentido das coisas me faz mais benévolo. É certo tudo ocorre como deve ser o que é.

Hoje está um dia de nada. Chuva que cai sobre na vidraça, corpo destituído de forças, melancolia em voga. Hoje é zero hora. Mas existe um número que não é nada? Que seja menos que zero? Que começa onde nunca foi seu princípio, que nunca começou sempre porque era? E era antes de sempre? Sinto-me assim como uma régua que contém em suas divisões várias subs, intra, extras, multi, divisões, ao acaso, enquanto o ocaso se torna intransponível. Eu sou aplaca do começa e do final da via, ponto antes do zero e do final. Eu sempre fui e já não sou inteiramente mais um entre a multidão. O dia corre involuntariamente nos subterrâneos da miséria. Entretanto tudo em mim tudo em mim é mistério, abismo e silêncio.

Do zero ao infinito vou caminhando sem parar. A sombra da minha alma descansa em meu corpo, torto quase morto. O tempo passa depressa demais, nunca a vida foi tão atual como hoje, o futuro significa degradação da carne. O tempo realmente existe? É o movimento da evolução das coisas, mas o tempo em si não existe? Ou o que existe é imutável e nele nos transcendemos. Então para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pela velocidade dos minutos, as novidades que fazem o tempo passar depressa, eu as cultivo com um certo tédio. Degusto assim cada detestável segundo da minha existência.

Meditação leve e terna sobre o nada. Escrevo quase que totalmente liberto de meu corpo. É como se este estivesse em transmutação. Meu espírito está vazio por causa de tanta felicidade. Estou tendo uma liberdade íntima que só se compara a um caminhar sem destino por ruas verdadeiros labirintos afora. Estou livre do destino. Será o meu destino alcançar a liberdade? Sou a contradição da minha figura quixotesca e ao mesmo tempo burguesa sem ideologias.

Meu vocabulário é triste, quase que paranóico. Elevo-me na fonte de águas límpidas e abundantes e na luz fria do cotidiano, mas, escrevo corroendo como um verme que se alimenta da vida ou da morte, como um fruto em putrefação. Não sei em qual página, mas escrevo, não sei se realmente o escritor, poeta, apontado como panfletário necessita saber de memória sua página, como se soubesse o dia de sua morte.

Fernando Pereira de Aguilar

Aluno do 6º Período do Curso de Letras

Puc Minas - Betim

duende
Enviado por duende em 27/02/2009
Código do texto: T1460235