Meu filho transformou-se num monstro.
Era uma amizade antiga. Uma amiga ajudando a outra. Mesmo com toda diferença de idade que havia, era a mais nova que orientava, resolvia tudo que a outra precisava. É que a mais velha era analfabeta, além disso, tinha uma filha com necessidades especiais, e o seu esposo era muito velhinho.
Em proporção que o tempo passava a mais nova recebia maiores cuidados da mais velha. Dona Amélia cuidava de tudo quando dona Mirtes ia pra maternidade, e continuava dando total assistência até acabar o ¨resguardo, que na época era de três meses.Dona Amélia fazia o papel de mãe,de avó e de sogra com muito carinho e dedicação.
Dizia ela: ¨Amigos são para essas coisas¨.Também não tinha sido socorrida na época da cheia de setenta? Ficou sem casa, e de onde surgiu um ombro amigo? Dona Mirtes quando soube que o rio subia, correu até a casa de dona Amélia, e a trouxe de mala e cuia. Marido, filha, bichos, e ¨os cacarecos velhos¨ tiveram lugar na sua casa. Era assim que Dona Amélia chamava seus poucos móveis.
O esposo de dona Amélia morreu. A família diminuía. Enquanto que a família de Dona Mirtes crescia.Nasceu Pedro,o chodó de dona Amélia. Porém ao crescer dera pra beber, andar em más compainhas.Conselhos não faltavam. Mas a cada dia ¨o menino¨ ficava pior. Até os cachorros e gatos sofriam nos pés dele. Se passassem na sua frente nos dias que ele tivesse azogado, os coitados eram surpreendidos com chutes.
Numa madrugada, depois de bêbado como um gambá, foi até a casa de dona Amélia que lhe abriu a porta como de costume; pois quando errava o caminho de casa, era para lá que ele ia. Porém foi surpreendida com tanta violência. Era como se todos os demônios estivessem agindo sobre ele.
Pedro pegou a velha de oitenta e sete anos e a estuprara; a velha que tantas vezes lhe dera banho, trocara suas fraldas, enxugara suas lágrimas, limpara seu nariz, cuidara dos seus machucados...
Dona Amélia chorou durante toda madrugada. Tentava estancar a hemorragia. Não conseguira. Pela manhã, chamou a filha, depois de ter certeza que o ¨menino¨não estava mais ali.
Enquanto isso, pela manhã, logo cedinho, chega Pedro como se nada tivesse acontecido.
Dona Mirtes continua sua lida, e vai cantarolando uma canção qualquer. Todos vão se levantando, se ajeitando,fazendo a refeição matinal; e os que iam para escola saiam nas carreiras; enquanto que os outros comiam mais devagar, adiando o máximo até que a mãe os mandasse arrumar a bagunça. Todo dia era a mesma coisa!
Pedro caíra na cama, e ninguém tinha coragem de ir chamá-lo. Comia quando desse na veneta.
Hora de cuidar do almoço. Maria, a filha de dona Amélia chega com um recado da mãe.
_Minha ma,ma,mãe man-man-dou- lhe cha-cha-mar com pres-sa!
_Que que é que você tem,Maria?
Maria se pôs a chorar. Dona Mirtes percebe que a coisa é séria. E corre até a casa da amiga.Logo em seguida vem Maria.
Dona Mirtes,não estava preparada para o quadro que encontrou.
_Você tá com dengue?
Tenta pegar um pano para molhar a testa da amiga, mas percebe que ela está muito mal. Faz uma oração silenciosa: Deus, não deixe minha amiga morrer!
Dona Amélia, muito fraca pediu que a filha saísse, e diz à sua amiga: Não tô com dengue. O ¨menino foi que fez esse mal pra essa velha!
_Quem? O quê? Amélia, o que meu filho fez com você?
Dona Amélia lhe mostrou os sinais: hematomas, hemorragia...
Choque, terror, dor! Aquela mãe se dobrou, e chorou. Mas fez força para se controlar. Era hora de agir.
_Maria, fique aqui que eu vou buscar um carro!
_Não, Mirtes, não vá! Se essa velha for pru hospitá vão discobrir o que foi, e vão prender o¨menino¨!
_Amélia, você está se esvaindo em sangue, e eu não vou deixá-la morrer!
Calou-se, e com voz de quem sofre, mas que sabe o que tem que fazer, diz:
_Você vai ter atendimento médico!
E acrescenta com voz cansada:
_Coloquei no mundo um bebê. Nas minhas entranhas foram gerados filhos para que se tornassem pessoas de bem, e você me ajudou a criá-los...
Com lágrimas descendo pelo rosto completa:
_O que meu filho fez a você foi uma ação de monstro. E lugar de um monstro é na cadeia!
Dona Amélia ainda implorou:
_Mirtes, você cuida de mim. Eu fico boa e ninguém fica sabendo!Esse é nosso segredo.
_Não, Amélia!Peça-me tudo, menos isso.
Saiu dali, conseguiu um carro, levou sua amiga para o hospital, e na recepção foi logo dizendo:
_Preciso de um médico com urgência e da polícia para prender meu filho que estuprou a minha amiga!
Dona Amélia recebeu os primeiros socorros, porém a cada momento piorava. Enquanto isso, Pedro dormia como um bebê. Foi desse jeito que a polícia o encontrou.
Gostaria de terminar essa história dizendo que dona Amélia teve uma ótima recuperação, que voltou para sua casa para cuidar da sua filha, e dos seus bichinhos. Porém não foi assim que aconteceu. Dona Amélia morreu.
O pai de Pedro perdeu a saúde, e meses depois sofreu um enfarte. Dona Mirtes passou a cuidar da filhinha de trinta e sete anos, da sua amiga. E seu filho?
Pedro nunca se arrependeu do que fez. Está naquele mundinho onde o sol sempre nasce quadrado; lá já teve que ouvir a orquestra tocar.