O direito de ir e vir
Estava acabando de limpar a área de serviço,quando levantei os olhos para um pé de acerola. Parei, fiz sinal para que meu filho não fizesse barulho,e lhe mostrei um casal de pássaros.
Entre as ramagens quase ocultos estavam dois pássaros que não identifiquei o nome. Só sei dizer que tinham bico vermelho, e a cor das penas eram um cinza esverdeados. Mais uma vez chamei a atenção do meu filho para não assustar os bichinhos e continuei minhas tarefas. De vez em quando levantava os olhos para constatar que estavam lá.
Foi aí que percebi. Estavam, há dois metros do chão, construindo um ninho!
Orientei meu filho:
_Não podemos mexer no pé de acerola, pois aqueles pais estão preparando uma casinha para colocar seus filhotes.
E continuei:
_Também você não deve falar aos seus amiguinhos, se não vão querer mexer, e os pássaros assustados irão desistir de ficar no nosso quintal. Certo?
_A gente pode pegar os filhotes?
_claro que não!
Falei das etapas do nascimento das aves, porém ele insistiu:
_Mas a gente pode enganar os pais! Eles não sabem contar. Se tiverem três filhotes, tiramos um, e eles nem vão notar.
_Filho, você sabe qual é a comida que os pais pássaros dão aos filhotes?
Ele balançou a cabeça, demonstrando que não sabia.
_Comem lagartas, milhocas, formigas...
Queria que ele desistisse da idéia, e por isso não acrescentei os demais alimentos, tais como: as frutas, sementes...
Prossegui:
_Os papais e as mamães dos pássaros comem e depois vomitam dentro do bico de seus filhotes!
_Eca, mamãe! Que nojo!
Pensei que tinha triunfado. Meu filho continuou brincando com a mangueira, mas depois saiu com essa:
_A senhora mastiga os bichinhos, e depois vomita na boca deles!
_Eu! Na, na,na, na! Que nojo!!!
Meu filho caiu numa risada. Voltei a lhe pedir que tivesse cuidado para não assustar as aves. Ao ver o pai chegando, exclamou:
_Pronto papai, o senhor faz esse servicinho!
_Que servicinho, meu filho!
_O de vomitar na boca do pássaro!
_O quê? Que história é essa menino?
Entrei para acabar com aquela lenga-lenga:
_Papai não vai fazer isso!
Com os olhos brilhando, provou que não havia desistido:
_Então a gente fica com a mamãe, o papai, e todos os filhotes!
_Meu filho, você gostaria que alguém nos colocasse num lugar que não fosse a nossa casa, e de lá não pudéssemos sair?
Ele pensou, e mesmo decepcionado por não poder ter seus desejos atendidos, disse com sua linguagem de menino de sete anos:
_Deixe, mamãe, eles também serão nossos mesmos que estejam aí fora porque já descobriram que aqui ninguém vai maltratar nenhum deles!
Fez sinal para que eu fizesse silêncio e mostrou-me o casal de pássaro que continuavam na lida de construtores.
Entramos meu filho e eu. Falei-lhe ao ouvido: Pra que interromper os pequenos? Vamos deixá-los trabalhando lá fora que nosso serviço continua lá dentro. Foi nesse momento que ouvimos um dos mais belos cantos.
Pude então lembrar. Ontem passei um bom tempo tentando descobrir os autores daquele lindo gorjear, pra hoje descobrir que estava tão perto de mim!
Meu dia foi diferente. Havia algo no ar. De vez em quando me pego dando uma espiada para ver se continuam lá. Estou torcendo que aconteça o que meu filho dissera, ontem pela manhã. Que esses pássaros descubram que aqui ninguém lhes tirará a liberdade, porque o direito de ir e vir é sagrado, e nos foi dado pelo próprio Criador.