Sozinha

Acordei com medo, frio... me sentindo tão insegura, tão indefesa... Não quero levantar. A chuva e o aconchego dos lençóis me dão a sensação de que estou protegida, amparada e segura. Mas o mundo lá fora me espera, com todas as inquietudes da vida cotidiana.

Me recuso a me sentir frágil, a expor meus medos, minhas neuras. Levanto...visto minha fantasia de garota globalizada. Aquela fantasia de auto-confiança, de atitude independente, estilo “...sai da minha frente que eu vou passar...”. E sigo meu caminho. Não sei para onde vou nem o que vou fazer, apenas sigo. E como em toda sociedade de consumo, vou às compras. Olho vitrines, observo suas modelos, seus corpos parecem robotizados, suas almas cristalizadas numa onda consumista. E continuo meu passeio, sem rumo nem prumo.

Quero comprar, não sei o quê, apenas quero. Busco, nada encontro. Parece que nada me atrai. De repente, um sentimento de vazio me invade. Me vejo perdida, procuro minha identidade e vejo múltiplas faces e nuances de uma mesma pessoa. Os espelhos da sociedade organizada não refletem a minha imagem à semelhança do que sou. Eles metem descaradamente. Me desespero. Não quero fazer parte de um mundo robotizado. Quero minha identidade de volta. É aí que me dou conta que minha busca está apenas começando. E sigo, na vã ilusão de que se eu mudar o estilo de vestir, vou me reencontrar...Ah! Doce ilusão. Chego à triste constatação de que roupas não definem personalidade, definem sim um esteriótipo construído no imaginário coletivo, que enquadra o ser humano nos padrões de comportamento de uma tribo qualquer. Continuo perdida, "caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento".

E vou seguindo... olhos atentos aos passantes. Vejo pessoas comuns, com sonhos comuns, interesses comuns e... tantas outras coisas em comum. Me vejo só, no meio daquela multidão. Sinto-me “como um peixe fora d´água” e percebo que algo está fora de contexto e, sou eu. Me vejo sem rumo, fora de sintonia com esse mundo que me cerca até que decido voltar para casa e percebo que tenho um grande desafio: Me encontrar.

Chego em casa. Sorriso sem graça... e explico que nada comprei, porque o mercado estava escasso. Porque lá não vendia pacotes de amor, carinho... Tento explicar que o sorriso simpático da vendedora não acompanhava o produto, porque ela precisaria dele para a próxima venda; a amizade também não estava lá; nem mesmo pacotinhos de ternura eles tinham disponíveis; eles também não tinham componentes eletrônicos de última geração que ajudassem a formar cidadãos éticos... “Ainda não inventaram esse produto”, me explicava frustado, o promotor de vendas. Colo de mãe também não tinha e, o moço bem que tentou me vender um travesseiro novo, afirmando seguramente que fazia o mesmo efeito, e com a vantagem de que não tinha que ouvir sermão.

Mas ainda assim, foi um dia especial... não consegui comprar o que queria, porque aquilo que desejo não tem preço. Porque Respeito, Dignidade, Ética, Solidariedade, Sorriso, Amigos, Carinho e Amor... não estão à venda. E sigo meu caminho sozinha, com as mãos vazias sim, mas de peito aberto em busca de mim mesma.


Boston, 02 de Maio de 2005 – 23h23mim. 

PS. Há exatamente um ano ingressei no Recanto das letras e esse foi um dos primeiros textos que publiquei na minha escrivaninha. Hoje, o trago de volta, não por vaidade, mas pela alegria de perceber que as diversas releituras que fiz de mim mesma ao longo dessa tragetória, não apagaram a solidez das minhas convicções. Os medos parecem ser ainda os mesmos, mas minhas esperanças se renovam dia após dia. 

Muito obrigada aos que souberam tocar meu coração com cuidado e carinho. Foi isso que me fez permanecer aqui.