Marcas de Uma Quarta-feira de Cinzas

As crianças chegam às 23:30 hs pelas mãos dos pais para comer uma pizza no restaurante do shopping. Hoje as crianças trocam o dia pela noite, como diria minha mãe. E muitas mães por aí.

A presença do vocábulo "hoje" no período anterior começa a proporcionar ao texto um conteúdo nostálgico. E as pessoas, via de regra, não toleram a nostalgia. Mas toleram crianças nervosas, que não conseguem dormir direito, que acordam no meio da noite ou muito tarde no dia seguinte, a ponto de perderem a aula. E, sobretudo, toleram as que não agüentam mais e dormem pelas cadeiras das mesas dos restaurantes. Mesmo havendo música ao vivo.

Antes (novamente o conteúdo nostálgico) não era assim. Até porque não havia o hábito de se jantar fora. Não havia shoppings. E era reduzido o número de restaurantes. A sociedade não havia experimentado ainda a exacerbação do hábito do consumo. As pessoas não eram contadas como cabeças ou números destinados a possibilitar um determinado rendimento. (Com exceção dos tempos de guerra, em que contingentes de soldados eram encaminhados à frente de batalha para, mesmo morrendo, conter o avanço do inimigo.) Ou atestar uma viabilidade econômica previsível.

Como não havia shoppings e muitos restaurantes, os pais conseguiam ficar mais em casa. Consequentemente davam mais atenção aos seus filhos – o que pode haver de interessante para uma criança de 2 a 5 anos num restaurante às 23:30 hs? – que iam dormir mais cedo. Ou num horário mais condizente com a sua faixa etária.

Mas as mudanças são inevitáveis, todos sabemos. Daí o procedimento correto de algumas pessoas em não tolerar a nostalgia.

No entanto, talvez seja interessante procurarmos verificar, dentre as mudanças observadas, o que há de bom ou aproveitável e o que há de pernicioso e/ou que, se possível, deva ser modificado.

Antes (novamente a nostalgia) a extração de um cálculo na vesícula compreendia uma cirurgia no abdômen. O indivíduo levava talvez mais que oito dias no hospital ou clínica (a precisão fica por conta dos médicos, é claro). E herdava uma cicatriz com alguns centímetros de comprimento. Hoje a laparoscopia deixa a pessoa com apenas três marcas pequenas no corpo em forma de círculo. E normalmente não se permanece no hospital mais que uma noite. Mudança das boas.

Mas e o samba-enredo? Parece que virou marcha. Não há mais espaço para o exibicionismo dos passistas (homens e mulheres) que a todos encantavam. Ninguém nunca mais vai ver algo parecido com as Irmãs Marinho. Nem no Salgueiro campeão, dono de um dos sambas mais bonitos de todos os tempos – Chico Rei (opinião do autor, que é Império Serrano).

Rio, 25/02/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 26/02/2009
Reeditado em 27/02/2009
Código do texto: T1458167
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