Pelos frutos conhecemos a árvore.
Sempre tive curiosidade de conhecer vários ambientes, tais como: orfanato, leprosário, penitenciária, e abrigo para pessoas da terceira idade. Claro que havia curiosidade, mas era mais do que isso; sempre tive o desejo de saber como se sentem os que ali vivem.
E confesso que conheci três deles: leprosário, abrigo e uma penitenciária. Quanto ao orfanato, vou transmitir a visão que teve uma outra pessoa que lá foi fazer um trabalho, e voltou tocada.
Visitei um leprosário quando muito jovem. Tinha uns vinte e quatro anos, e tirei aquela dúvida que martelava na minha cabeça: Será que as pessoas realmente têm o semblante de monstro? Será que mesmo não se pode ter contato com um leproso? É verdade que até o ar fica contaminado, e daí é só um passo para se pegar a doença?
Descobri que lá as pessoas têm uma vida o mais próximo da nossa. Que namoram, casam, têm filhos; Que usam diversos meios de lazer e divertimento. Usufruem e têm contato com diversas crenças, pois lá dentro têm templos e grupos de todos os credos.
Descobri também duas coisas importantes. A primeira é: eles já foram tão rejeitados que evitam o contato com as pessoas sãs¨.Mesmo que já estejam totalmente curados, muitos ¨preferem continuar morando lá dentro, porque aqui fora, não há mais espaço para eles¨. Alguns têm sinais da doença que os deixaram marcados para o resto da vida. A segunda é: Quando nós é que lhes oferecemos a mão para apertar à deles; ou demonstramos um gesto de carinho através de um toque, reagem com surpresa e alívio ao mesmo tempo. É como se durante tanto tempo tivessem se condicionado a não ¨esperar um toque¨.
Visitei algumas áreas, mas o lugar era imenso, e mesmo depois de três ou quatro visitas, não cheguei a conhecer nem trinta por cento do local. Tentei me aproximar daqueles que já tinham decidido a morar ali até o fim. Mas eles não se abrem com facilidade, e como nós aqui fora, reagimos de forma defensiva quando um estranho tenta forçar a porta.Cheguei a ir até o portão de algumas casas, onde estendi minha mão, e tive nas minha um toco de mão.Rapidamente elas, eram duas senhoras, puxaram as mãos, e embora tentasse esticar a conversa pra ver se elas me convidavam a pelo menos até a salinha(as casas são bem pequenas, parecem correr-de-quarto), não obtive êxito. No final percebi que muitos se sentem mendigos, e, durante toda conversa só faziam pedir que na próxima visita eu lhes levasse alguma coisa. Não quero generalizar, mas foi essa impressão que tive.
Muitos já não tinham contato com a família, o que para eles significava que a família deles eram os outros leprosos.
No abrigo tive a experiência de ter contato com velhos de todas as idades; pude ouvir belas histórias, e outras de cortar o coração. Conversei, ri, chorei, refleti. Encontrei velhos que preservaram o dom do riso; outros no decorrer da vida deixaram esse dom para trás.Encontrei velhos que amavam a vida; outros que a aborreceram. Encontrei velhos que viviam num mundo colorido apesar das limitações que a idade lhes trouxera.
Aprendi muitas lições, e entre elas: uma simples visita tem o poder de fazer o dia de alguém ficar mais alegre.
Fiz algumas visitas a uma penitenciária. Não desejo repeti-las, e peço todo dia a Deus de não ter que dar apoio a um amigo que tenha um filho, um marido ou um parente pagando pena. Já se passaram mais de vinte anos. Época que o presídio era menor, e entravamos sem entrarmos na fila, nem passarmos pela revista. Mas lá dentro a coisa era pior.
Conheci um tio, e dois sobrinhos que estavam pagando pelo crime de homicídio. Vinham de uma família abastada. Usavam anéis e relógio de ouro. O tio usava uma camisa e calças alvíssimas de fino tecido, com sapatos pretos, bem lustrados. Não lembro o nome deles, mas ficou na lembrança a finura, e o quanto eles destoavam daquele ambiente.
Uma curiosidade: muitas mulheres têm fascino por pessoas que estão por trás das grades, e lá não era diferente. Muitas iam a procura de um par. Talvez estivesse escondido aquele sentimento de socorro que sempre está presente no coração de quem é mãe. Quem sabe, elas queriam desempenhar um papel, usando como artifício outro que não lhes traziam nenhum benefício. Viviam expostas, iludidas; algumas apenas eram usadas.
Vi mães que com certeza nunca imaginaram um dia ter um filho naquela situação. Vi esposas que eram forçadas a estar ali, e quando saíam, pareciam mais despedaçadas, mais mutiladas. Vi, filhas chorando e abraçando seus pais que também choravam. Vi pais pedindo às esposas para não trazerem os filhos, pois não queriam que os vissem naquele lugar.
Apesar de desejar conhecer um orfanato, ainda não me foi possível viver esse momento, porém uma pessoa muito próxima me falou que ali viveu experiência gratificante, de cortar o coração.
Um grupo da faculdade fora fazer um trabalho de campo, no que foram recebidos com muita atenção por parte das pessoas responsáveis pelo local. Mas o que chamou a atenção daqueles alunos é que a maioria dos órfãos tinha uma necessidade de toque muito grande. Em proporção que iam se familiarizando com os ¨novos amigos¨, um ou dois se aproximavam, pegava na mão de cada aluno, e para onde eles iam esses pimpolhos iam atrás. Somente soltavam-lhes a mão depois de receberem a promessa de que voltariam e que trariam muito carinho e presentes.
Chamados à parte, ouviram as seguintes palavras: ¨Eles acreditam que vão ser escolhidos para receberem amor de uma família. Pois além de órfãos, há outros que estão sob a tutela do Estado por causa da forma que foram tratados pelos pais ou responsáveis. Até mesmo os que não chegam perto, e se isolam, estão dando um grito:¨Preciso ser amado¨!.
Chorei em silêncio quando ouvi esse relato, e lembrei de uma médica que era considerada louca por ter aberto mão de tanta coisa para dedicar-se a adotar crianças de qualquer idade e cor, dando-lhes todo amor que emanava do seu coração. É verdade que ela poderia ter optado por se dedicar à profissão, ganhando status e muito dinheiro.Porém, preferiu trabalhar tendo o suficiente para bancar as despesas básicas; e o restante do tempo dando amor, muito amor. Enquanto essa médica ia contado sua história de vida, e eu parecendo uma manteiga derretida.
Contei para uma amiga, e comovida ela me falou: ¨Como tem gente boa nesse mundo?¨ Respondi:¨Espero que essa seja uma entre muitas vidas que têm feito escolhas certas.¨
_E como posso saber? Perguntou-me.
Dei-lhe a única resposta que sempre ouvi dos mais velhos.
_Pelos frutos conhecemos a árvore.
Paramos para refletir. Não sei se houve mudança no coração da minha amiga, porém no meu. Passei a desejar ter um coração mais disposto. Um coração que fosse capaz de doar-se mais.
E você ,depois de ler esse texto, parou para fazer uma reflexão?