Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
Todos os homens dessa família eram procurados pela polícia e pelos desafetos. Era uma luta de vida e morte. Porém, sempre que podiam se reuniam para um almoço festejando datas especiais, como batizado, casamento, etc.
Todos bem armados, e sempre com segurança reforçada. O que não diminuía o receio latente no coração da matriarca ¨por causa dos piralhos, porque os adultos sabe si defendê, dizia ela.. É que havia um dos filhos de dona Maricota que estava na lista de ser o próximo a servir de repasto para os urubus e que quando fizessem o serviço, teria que ser bem feito. Quem mandara pedia que houvesse provas. E as provas seriam as pontas dos dedos do condenado.
Resolveram comemorar o Dia das mães, e todas as precauções foram tomadas: Munição espalhada, portão fechado, o alçapão aberto, o almoço seria servido dentro de casa, os cachorros seriam soltos, a meninada comeria logo cedo, ninguém daria as costas para as portas e janelas, os seguranças bem posicionados.
Santa ignorância. O dia da matança chegara. A sentença tinha sido decretada, e só Deus poderia impedir aquele massacre.
Segundo os matadores, ¨nem Deus queria aquele infeliz, portanto, só o inferno poderia disputar sua alma, então o negócio tava feito¨.
Mas antes de chegarmos ao ponto do massacre, temos que falar do alçapão. Fora construído em cima da cozinha. Nele era escondido muitas armas de grosso calibre, havia muita munição, água, comida; e facilmente acesso à rua onde caso houvesse necessidade, quem precisasse usá-lo poderia se esconder e também escapar.
A matriarca estava feliz; nunca podia imaginar que esse momento fosse acontecer; toda família reunida; nenhuma semente sua faltava a não ser os que já estavam debaixo da terra.
A labuta da vida e a violência que entrou na família, tinham feito de dona Maricota uma mulher de semblante fechado; de poucas palavras e olhar perspicaz. Mulher que não era frouxa não; na hora do vamos ver entrava sem titubear e se dessem mole, cantava de galo, isso é de galinha.
A casa estava tomada pelo cheiro dos capões, da feijoada, e do bode que foram preparados do jeito que todos gostavam. Não tinha quem cozinhasse igual a ela, não!
_Diz pra Sivirina qui daqui a pouco tá na hora de fazer o pirão.Êta pessoá pra cunversá!
Já istou cum a barriga pregada nu ispinhaçu, e elis nem aí;também não param de beber!
Continuou dando uma olhada em tudo; sabia que aquele momento nem tão cedo iria se repetir. Quem sabe, Deus tava lhe dando um presente dos Dias das Mães?Pensava com seus botões.
Depois que tudo estava pronto; mesa posta, os piralhos já de barriga cheia, o pirão pronto, mandou chamar o pessoal.
E coube a uma nora, essa tarefa: Dona Maricota tá chamando todo mundo!
Risadas, empurrões, brincadeiras essa era a forma que todos extravasavam a alegria do momento.
__Dona Maricota, aqui estamos às suas ordens! Disse Mane,o filho caçula.
Ela sentindo-se a própria rainha, apontava o lugar que cada um iria sentar. Depois que todos estavam sentados, olhou em volta e deu um longo suspiro:
_Si o pai de iocês tivessi aqui, istaria satisfeitu.Vamu, pode cumer!
Era um passar de travessa pra cá, outra mão esticando-se pra pegar a que estava do lado de lá. Pratos cheios, colheres cheias, refrigerante, suco de imbu, vinho, cerveja. Pra eles não faltava nada.
De repente um pipoco. Cadeiras viradas, gente correndo pra tudo que é canto; tentavam escapar, mas na correria ninguém conseguia encontrar as armas, o melhor era tentar sair, mas pra onde?
Mané,percebera que o alvo era ele. Tentou correr. Sivirina, mulher forte ainda o colocou sobre os ombros e tentou fazê-lo entrar no alçapão, porém os matadores foram implacáveis. Depois que ele tombou sem vida com o corpo crivado de bala, um dos matadores pegou uma peixeira, e, tirou de cada dedo um pedaço.
Enquanto isso, Sivirina chorava num canto esperando a sua hora. Um dos homens disse:
_Fiqui fria muié, nossu negóciu é cum esse troçu aqui.
Há um sinal, todos se retiraram. Choro, desespero, gritos. Não tiveram como chegar perto das armas; rendidos todos da casa, foram colocados num quarto ficando sob vigilância de alguns matadores.
Dona Maricota pedia: Pelu amô de Deus não mati o meu fio!
De repente uma voz grita da cozinha:
_Sirviçu feitu!
Ninguém lhe dera ouvido. À hora do acerto de contas tinha chegado. O que parecia ser o chefe, constatando que tudo estava como o combinado, se virou e disse pra quem quisesse ouvir:
¨Quem cum ferru feri, cum ferru será firidu.Esse trasti matou cum cueldadi muitus pai de famia qui implorou pra vivê. Deflurou moça dunzela, sem dó e piedadi. Cortou cabeça de genti qui nem si fai cum galinha. Miricia pior du qui issu.Não fiz pur causa de vosmicê, e pruquê a incumenda foi dessi geitu¨. Colocou o chapéu na cabeça, fez uma mesura, e completou com uma despedida:
_Inté logu!
Saíram dali direto para as estradas que davam fronteiras com outro Estado. A polícia quando chegou, já duas horas tinham decorrido. Veio reforço da cidade próxima, entraram pelas estradas empoeiradas, e matagais. Os matadores com muita vantagem, escaparam. ¨
_Também quem iria enfrentar homens fortemente armados que fizeram um serviço à sociedade?Alguém na cidade falou.
A vila assustada pouca a pouco voltava ao normal. O alívio era geral, mas tudo era dito na base do cochicho.
_Era peça ruim.
_Quem prucura acha.
Enterro pequeno, a família não podia mais se expor. Porém aquela mãe ia à frente do cortejo, como que dizendo: ¨Tiraram a vida do meu filho, podem tirar a minha também!
Essa história parece não ser real. Infelizmente aconteceu, mas tive a felicidade de não estar lá; pois esse dia fora considerado um dia de terror para toda a vila.