Visões estrangeiras 3
Muita gente já deve ter ouvido falar no livro “O Segredo”, que afirma que basta desejar com fé que os sonhos se tornam realidade. É como uma programação celular: induzimos nossos neurônios a encontrarem um caminho que nos leve à realização de todos os nossos desejos. Verdade ou ficção, há cerca de 5 anos atrás, ao ver fotos da cidade de Budapeste numa revista, meu queixo caiu, babei na página e disse a mim mesma: preciso ver este lugar de perto! E, a cada nova leitura do romance Budapeste do Chico Buarque - foram três -, a vontade crescia ainda mais.
Um fato é inquestionável: estive lá. Meu queixo caiu de novo, a baba virou gelo, mas estive lá. O rio Danúbio, tão importante e inserido na vida da cidade que a divide em duas regiões – Buda, a elevada sobre a colina, e Pest, a plana – é calmo e sereno, de cor indefinida (ao menos no inverno), e sobre ele navegam embarcações de todos os tipos. Além do que, serve de pretexto para uma deslumbrante ponte pênsil, datada de 1849, guardada por quatro imensos leões de pedra, e com um nome impronunciável: Széchenyi, ou Ponte das Correntes. Esta ponte, que liga as antigas cidades de Buda e Pest, liga também o Castelo de Buda, no alto da colina, à Praça Roosevelt (a semelhança com a praça paulista fica só no nome) onde se elevam maravilhosos edifícios de meados do século 19 à primeira década do século 20. De cima da ponte, ou de qualquer lugar mais alto, salta aos olhos a onipresença do enorme, imponente e belíssimo edifício neogótico do Parlamento.
Aliás, apesar da região datar da época dos celtas e ainda possuir resíduos da forte presença romana, em Pest os edifícios barrocos, neoclássicos, art-nouveau e neogóticos convivem harmoniosamente. A observação dos detalhes primorosos de cada um deles faz com que praticamente se esqueça do frio cortante trazido pelo vento que vem do rio. Praças e mais praças, igrejas e mais igrejas, palácios e mais palácios... O lado plano da cidade é um museu de arquitetura, arte e urbanismo.
No lado da colina de Buda, o museu fica ainda mais interessante. O Complexo do Castelo é uma área que compreende uma série de edifícios históricos ladeada por construções residenciais modernas, mas harmoniosamente integradas à paisagem. O castelo, em si, foi construído e reconstruído várias vezes, sendo que a primeira construção data do século 11, e a atual, do século 19. Pode-se ver as ruínas dos calabouços e do fosso que isolava o castelo do lado oposto do rio.
A vista do alto da colina não pode ser descrita. A contemplação deste patrimônio histórico universal, numa tarde ensolarada de céu azul mas temperatura ainda não suficiente para derreter a neve que lindamente dá um toque delicado a tudo, é uma experiência única. Como foi uma experiência única ter nas mãos notas de florints, a moeda nacional, já que a Hungria, apesar de ter entrado oficialmente na Comunidade Européia em 2004, não está muito convencida da imposição do euro, e em Budapeste os comerciantes não o aceitam ou aceitam com restrições, propositalmente oferecendo ao turista um câmbio desencorajador. Aliás, o valor do euro oscila diariamente, o que justifica a existência de tantas casas de câmbio. Que, ainda bem, trazem a palavra “exchange” escritas do lado de fora, pois descobri, a duras penas, que é necessário abrir as estreitas portas dos estabelecimentos comerciais para se verificar do que se trata – um bar, uma livraria, um mercado, uma loja? – já que a língua magiar não nos dá nenhuma dica. A língua que até o diabo respeita... Os húngaros falam muito, e rápido. Lembrei-me de novo do Chico: ouvir o húngaro e tentar separar as palavras é como tentar cortar um rio com faca.
Na última noite, degustando a terceira sopa goulash de minha viagem – esta a mais apimentada de todas, para meu deleite – melancolicamente percebi que Budapeste é uma cidade essencialmente romântica, que pede uma companhia especial. Terei que reprogramar meus neurônios, pois pretendo voltar lá acompanhada. De preferência numa primavera, com as árvores verdes e o Danúbio, quem sabe, azul.