De mulher para homem! (Numa mesa de bar)
Já registrei o meu pedido ao universo de que, na próxima encarnação quero vir homem. Quando verbalizo este desejo (que, há muito deixou de ser íntimo) algumas pessoas arregalam os olhos e me encaram com um olhar inquisidor de quem não entendeu direito aonde eu quero chegar.
Admito que ser mulher é uma coisa ímpar no que se refere às possibilidades maternas, à própria sensualidade, à percepção aguçada, à sensibilidade aflorada, enfim ,vir mulher foi muito legal. De forma que nem quero ficar aqui citando a parte que me incomoda como integrante deste sexo. Meu objetivo na verdade é discorrer sobre a parte que admiro nos homens e que faz com que eu deseje trocar de sexo na minha próxima existência.
Existe uma coisa no sexo masculino, a qual por mais que as mulheres jurem num pacto de sangue agir de forma igual, acabarão cortando-se à toa. Há uma coisa no clã masculino que aprecio e acredito piamente que seja um toque exclusivo dos machos: a cumplicidade.
Os homens são cúmplices uns dos outros, mesmo não sendo grandes amigos. Mesmo tendo se cruzado por acaso numa única noite num bar qualquer. Não me refiro a uma cumplicidade malandra que encoberta as proezas uns dos outros. Refiro-me a cumplicidade da alma. Esta alma livre que os homens possuem, a qual me causa inveja.
Quantas mulheres neste mundo de meu Deus permitem-se, após as extenuantes oito horas de trabalho, entrar num bar de esquina para curtir um “happy hour” com a turma? Quem dentre as próprias integrantes do meu sexo, consideraria normal descarregar toda a tensão do dia numa roda prosaica de seres com os mesmos anseios da alma, num bar de esquina? Só homens o fazem.
Tiro o chapéu para os homens. Não os que objetivam embebedar os sentidos a ponto de perderem a razão. Mas os que num bate papo descompromissado, numa cantoria improvisada, numa partida de sinuca, lavam suas almas e espantam suas dores, seus medos, sem alarde.
Respeito os homens pela displicência com que encaram as vidas que não são suas. A forma como se permitem o regalo de uma roda de conversa sem se preocuparem se um ou outro não está vestido de acordo com a ocasião. A indiferença com que observam que este ou aquele engordou ou emagreceu e, a impassibilidade com que lidam com a quantidade de rugas que fulano ou cicrano adquiriu em seu tempo de existência. Admiro por isto, a alma masculina.
E invejo a cumplicidade que se consagra nestes templários de esquina no final de tarde, no prenúncio da noite. Onde vozes veladas descortinam segredos irreveláveis. Olho, sorrateira, pelas portas abertas de luzes acesas, e quase sou capaz de ouvir os queixumes das almas dos homens que ali estão.
Quem dera poder postar-me a ouvir as inúmeras histórias... Ainda não posso. Aguardo então, para a próxima existência, o momento em que eu possa escrever, ao anoitecer, sobre uma mesa capenga em meio aos amigos, num bar de uma esquina qualquer.