Visões estrangeiras 2
O bicho geográfico, que aqui significa o vírus da viagem, contaminou toda minha família. Meu filho já me avisou que, no dia em que sair de mochilão por aí, não vai a Nova Iorque, Roma ou Paris: irá para Andorra, Estônia, Lituânia... então, assim que soube que eu iria dar uma passada rápida pela Eslováquia, fez sua única encomenda: uma camiseta de futebol da seleção eslovaca. Mas não precisava ser a oficial, que esta pode-se encontrar em qualquer loja grande de São Paulo ou comprar pela internet.
A chegada pelo trem já faz adivinhar que este país é bem diferente do anterior de onde vim, a Áustria. A estação é simples, escura, antiga, sem muitos recursos; há pedintes, gente mal agasalhada para tanto frio, e placas de informação numa língua absolutamente incompreensível. Diante de tudo isso, ver o “i” de informações turísticas bem destacado no meio de tantos sinais visuais é como encontrar um bebedouro de água gelada no deserto.
O inglês perfeito da atendente e sua simpatia facilitaram as coisas. Mapa em punho, indicações de como chegar ao centro histórico e o endereço da loja de esportes onde provavelmente eu encontraria a desejada camiseta tornaram tudo extremamente fácil. Assim, saí com firmeza a andar pelas ruas de Bratislava, a capital da Eslováquia - na verdade, com a firmeza possível de que fui capaz, pois é traiçoeiro andar por ruas cobertas por uma grossa camada branca e fofa, ou de gelo nos locais onde ela foi mais pisoteada: um verdadeiro rinque de patinação. Para quem, como eu, que além de nunca ter visto patins também nunca havia visto neve, a experiência foi, apesar de escorregadia, uma verdadeira (e literal) imersão.
O Danúbio também passa por ali, mas não deixou em mim sua marca. Infelizmente pouquíssimo tempo tive para desvendar os segredos da pequena cidade, que em 1993 tornou-se a capital da então nascente república oriunda da separação da antiga Tchecoslováquia. Neste ex país comunista comprei a desejada encomenda de meu filho, em uma loja localizada numa larga e movimentada avenida de comércio. Com ela na mochila, pude notar com mais calma os contrastes: o M do McDonald´s, símbolo universal e máximo do capitalismo, e, logo em frente à loja de esportes, um edifício completamente destoante do entorno - um prédio austero, reto, escuro, de planta estreita e bastante alto, aliás o único edifício alto do lugar. Estava olhando diretamente para o hotel Kyjev, uma construção da década de 70, onde se hospedavam, no tempo do comunismo, os figurões políticos locais e estrangeiros.
Entrando no centro histórico, entrei também num conto de fadas. Os edifícios são baixos, ornamentados e coloridos, e a neve abundante cria um clima de sonho. Praças pavimentadas com pedras, ruas estreitas, monumentos, telhados desenhados, mansardas, sacadas com guarda-corpos de ferro fundido, portas com molduras adornadas, janelas delicadas... uma festa para olhos já suficientemente deslumbrados pelas tantas novidades!
Escurece cedo. Mas, como voltar? Perguntar algo em inglês já é, por si só, uma aventura, pois antes é necessário encontrar alguém que o entenda. Mas Bratislava possui uma universidade, e na universidade há jovens, e jovens universitários na sua maioria entendem inglês. Um deles muito gentilmente não só me explicou como me acompanhou à parada do bonde correto e deu as indicações necessárias para chegar à estação de trem. Infelizmente, mesmo tendo me ensinado (por cinco vezes) como se diz “obrigado” em eslovaco, não consegui reter a informação, e precisei agradecê-lo com um banal “thank you very much”. Era noite já, uma noite extremamente fria porém limpa, e durante a viagem tive tempo de me conscientizar de que havia pisado num lugar inusitado que ficará na memória, eternizado pela camiseta que meu filho de fato adorou.