Capação no macete

Desde meus bons tempos de acadêmico de Direito, na Faculdade Milton Campos, sou colecionador de textos jurídicos interessantes, tais como decisões judiciais proferidas em forma de verso, “habeas corpus” inusitados, ou sentenças contendo excentricidades reveladoras de costumes ancestrais, inclusive na aplicação de penas, que se caracterizavam por requintes de crueldade.

Dentre as punições mais pungentes, lancinantes e bárbaras, citam-se a crucificação (que mata por asfixia), a empalação (que consistia em espetar um condenado, numa estaca aguda que lhe atravessava as entranhas, deixando-o até morrer), o enforcamento (que já foi praticado até em Montes Claros, que já teve a rua da Forca, ali próximo ao Café Galo), até penas mais brandas – comparativamente falando, claro -, como a capação (normalmente para crimes sexuais).

Sabe-se que hoje muitos defendem a volta de métodos parecidos, como fórmula eficaz para arrefecer o recrudescimento da violência urbana. Mas esse é um assunto controvertido, que foge ao nosso interesse, no momento.

Agora, o que me interessa é a apresentação aos leitores de excertos de um dos documentos de que mais aprecio – com olhar de pesquisador, evidentemente, e não pela crueldade intrínseca. Também pelos “considerandos” que fundamentaram a sentença prolatada, cominando a pena da “capadura no macete”, para o crime de tentativa de estupro. Por “capadura”, entenda-se a ação de capar o réu, retirando-lhe toda a sua virilidade e macheza; por “macete”, entenda-se o instrumento de madeira encabado para uso de carpinteiros, escultores e...carrascos. Assim, na execução dessa pena, colocam-se os testículos do "cabra" sobre uma superfície e com um porrete de madeira, esmaga-os. Dói até em escrever isso. É verdade.

Diante dessas explicações prévias e necessárias, passemos, pois, ao texto, com a ortografia da época (ano de 1833), tendo como fonte o Instituto Histórico de Alagoas. A súmula apresentada, por si só, era uma pérola jurisprudencial dos tribunais superiores. Veja bem: “Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus deboches e faz coças de suas vítimas desejando a mulher do próximo para com ele fazer suas chumbregâncias.” A seguir, o juiz municipal substituto relata: “O adjunto de promotor público, representa contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.”

Após esse intróito dispositivo, o nobre Juiz Manoel Fernandes dos Santos, da Vila de Porto da Folha, na Província de Sergipe, passou às considerações, “in verbis”: “CONSIDERO: - QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ella e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana; - QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas; - QUE Manoel Duda é um sujetio perigoso e que se não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.”

Por fim, condenou “O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro.

Cumpra-se e apreguem-se editais nos lugares públicos.”

Se a moda pega – e as leis nascem da necessidade, lembrem-se disso, principalmente quando tanto se pede a reforma do nosso Código Penal -, acreditam os que defendem penas mais severas que muitas chumbregâncias e conxambranas poderiam ser mitigadas, atenuando a perigança para as donzelas circularem, aqui e alhures...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 23/02/2009
Código do texto: T1453301
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