NÃO CONSIGO ME LIVRAR DO MEU VÍCIO

VÍCIO INVERTIDO

Essa é mais uma daquelas histórias de que você já deve tanto ter ouvido. Talvez até mesmo vivido. Que começa com uma felicidade danada e termina em tragédia. Não, não. É o contrário, desculpe-me.

Eu comecei com uma caminhada solitária e descompromissada de tudo. Tão descompromissada que caminhei por quatro horas e fiquei uns bons dias de repouso por causa de muitas dores pelo corpo, que não estava habituado a tanto esforço de uma só vez e com tamanha intensidade. O motivo principal era um excesso de peso, que estava me prejudicando a coluna. Tinha outros: a barriga não cabia em camisa alguma sem arrebentar os botões ou formar aqueles bojos quando eram de malha. Tinha óculos que faziam verdadeiros sulcos nas laterais do rosto redondo, redondo, e no nariz. Tinha um cansaço que se comparava ao de maratonistas após as provas, mesmo se fosse uma caminhada de cem metros apenas. E tinha ainda e por último, um problema de estética que incomodava. “ Um elefante incomoda muita gente...”

Eu notei depois, a despeito das dores, que havia me feito um bem danado, um relaxamento mental, uma arejada nos pensamentos, uma substância que parecia ter melhorado o humor, o apetite e o sono. Ai resolvi continuar. Com mais parcimônia, pensando naquela máxima “devagar é que se vai longe”.

Minha filha tinha uma bicicleta que estava meio abandonada e fui pedalando nela até cair e quebrar o ombro. Destreinado e entusiasmado ao mesmo tempo, só podia dar nisso. Gradativamente, fui consumindo mais água e comecei a sair acompanhado de uma insuficiente maçã para matar a fome que ia aparecendo à medida que me exercitava.

Fiquei conhecendo muitas pessoas que já estavam em estado mais adiantado que eu nesse negócio, uma pessoas já viciadas há mais tempo. Uns me recomendavam a fazer alongamentos para evitar aquelas dores que sentia no início. Outros me sugeriram comer banana. E lembrei que já vi muito atleta fazendo um lanchinho de caturra ou prata numa pausa entre uma bateria de exercícios. Pensei que se eles faziam assim não era à toa ou por falta de outra coisa. Devia ter alguma utilidade fisiológica.

Passadas algumas semanas, observei que já me fazia falta, se não podia ou não queria ir para a rua me exercitar, seja a pé ou de bicicleta. Preocupava-me o fato de estar se tornando um vício. Eu teria que largar a bebida e o cigarro. Meu consumo era altíssimo e os exercícios estavam prejudicando esses hábitos. Já não tinha tanta vontade assim. Queria mesmo era mais e mais caminhada e pedalada. Água e frutas. Nas minhas refeições, aquelas carnes gordas, as frituras, os tira-gostos pesados já estavam sendo acompanhados de muito verde de folhas e legumes, a ponto de equilibrarem-se em quantidades no prato. Eu tinha que tomar uma atitude. Dois vícios já era demais. Meu corpo pedindo para pedalar e andar. Minha cabeça pedindo álcool e nicotina. A luta começava a ficar interessante. A cabeça venceu a batalha com o corpo e mais adiante perdeu a guerra que travei depois de ser internado com problemas de excesso alcóolico.

Imagine você a minha surpresa ao me deparar a olhos nus com menos 11 quilos (acho que foram litros) em menos de um mês sem tomar bebida. E o agravante: minha vontade de exercitar e comer essas coisas saudáveis aumentava, aumentava, como outra dependência. E fui cedendo, cedendo, dessa vez sob o comando da cabeça vencida e convencida.

Agora, minha gente, encontro-me irremediavelmente viciado. Nos últimos meses tem chovido incessantemente e cheguei a cogitar uma academia coberta. Mas, na academia o vício costuma ser outro. O da exposição e da vaidade apenas. Para a maioria, a preocupação com a saúde está em segundo plano. Se o corpo aparentar sarado basta. Tem gente até que dá uma forcinha com remédios para adiantar o processo de transformação. Quanto mais rápido o corpo mostrar sinais visíveis de apuro estético, maior a satisfação. Tem casos até de problemas colaterais devido aos excessos. E o ar também não é o mesmo. Prefiro o ruído dos carros, a oportunidade de conhecer gente andando, sentir o ar da rua e a sensação de liberdade.

Vou caminhando por aqui e, mesmo se padecer de algum mal súbito, bala perdida, ou coisa mais nova que inventarem para tirar a vida ou a saúde, meu vício será mantido com regularidade. Tá fazendo bem. Eu tô maluco de endorfina, adrenalina e alegria.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 23/02/2009
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