Meu retiro de carnaval

No meu bairro não há barulho de carnaval. Hoje, mais do que nunca, eu não sei se gosto ou não desta grande festa do povo brasileiro. Eu já achava quatro dias muita coisa. Pois agora em muitas cidades o carnaval dura oito dias. Haja saúde pra gastar, paciência e dinheiro.

Aqui em casa fiz meu retiro particular. Não ligo a TV. No aparelho de som ouço, basicamente, rock. O último Radiohead, o último Robert Plant, o último David Gilmour e até mesmo algumas coisas carnavalescas e não novas, como Los Hermanos. E não apenas rock: o último da Adriana Calcanhoto também está o máximo. Estou dando uma atenção também aos dois volumes do Tim Maia “Racional”, naquela sua pitoresca – ou quase típica – busca espiritual em face aos seus desencantos. Muita música das minhas caixas acústicas de madeira sai da minha pequena sala e toma toda a casa. Livros? História e antropologia. Astronomia me interessa: vou ver se vejo uns DVDs do Carl Sagan, que foi o grande divulgador das ciências no fim do século XX - astronomia, física e biologia. Meu menino interior gosta de recordar Carl Sagan. Em casa e em calma. Sem churrasco. Sem cerveja. Comida normal. Água fresca. Ah... Tem também um delicioso suco natural de manga – que é a coisa mais deliciosa do mundo para o meu paladar. O que neste mundo pode ser mais saboroso que um suco de manga madura? Minha mãe me aparece também com umas acerolas e eu as coloco no liquidificador.

Pois bem. Nada aqui lembra carnaval. Não é que eu deteste carnaval. É que neste momento eu, definitivamente, não preciso dele. Penso que, no fundo as pessoas não gostam tanto do Carnaval como objeto em si. O que elas querem é gozar. E o ambiente carnavalesco sugere a possibilidade desse gozo. Possibilidade: nada além de possibilidade, pois o gozo que se almeja é um sonho. Mas isso não é só coisa do carnaval. A vida inteira é assim, seja nas lutas ou nas festas. O resultado que se consegue está sempre com sabor de incompletude. Um resíduo incômodo – ou, ainda pior, falta de resíduo.

Vou esperar passar o carnaval para poder voltar às minhas atividades normais: estudar, trabalhar, conversar besteira e tomar cerveja Bohêmia bem gelada com os amigos. Esperar passar o verão. Esperar a chegada do querido outono, quando poderei escolher, eu mesmo, meus dias de festa. Ou apreciar a boa festa da vida, que vem quase sempre de surpresa, sem precisar de calendário.