UM CARNAVAL QUE PASSOU EM MINHA VIDA...

O carnaval começou. Tradição para os brasileiros, esta é uma época esperada por todos – de norte a sul do país. As principais cidades se preparam para receber os turistas – do Brasil e do mundo –, abrindo suas portas para a folia. De acordo com o ditado, no carnaval ninguém é de ninguém e tudo começa na Sexta-feira Gorda, passa pelo Sábado de Zé Pereira e termina – por cima de pau e pedra - na Quarta-feira de Cinzas.

Portanto, quem vai para a folia, brincar, costuma dizer que: não se leva bolo para a festança, pois bolo é o pau que mais se encontra por lá.

E tem carnaval para todos os gostos: de clube, de corredor cultural, de sambódromo, de rua, etc. E as fantasias? As mais variadas possíveis: de caracterização, de luxo, de improvisos, sem fantasias e a famosa nudez artística.

E já inventaram, também, o carnaval de Deus, onde católicos e evangélicos, cada um no seu quadrado, arrumam suas bagagens e fogem dos confetes, das serpentinas, dos lança-perfumes (Ops! É proibido!), dos talcos (O famoso pó-de-arroz - Arre! Acho que também é proibido – pelo menos no Maracanã) e se refugiam em conventos, escolas, sítios, promovendo os famosos retiros espirituais. Ou seja, enquanto a numerosa maioria cai na farra, esquecendo-se - muitas das vezes – dos preceitos cristãos – uma minoria se desdobra em orações e pede para que tudo acabe bem para aqueles que estão se esbaldando no "vamos botar pra quebrar".

Mas, carnaval é época, também, de se ganhar dinheiro. E, querendo ou não, esse é um item que sempre faz falta para aqueles que não nasceram em berço de ouro. Por isso, nesta época, o desempregado aproveita para vender água mineral, a cerveja, o sanduíche, a água de coco, enfim, vende-se de tudo... Até abadá falso – essa é a parte que cabe aos famosos espertalhões, conhecidos, vulgarmente, por 171.

Lembro-me que participei da folia carnavalesca somente três vezes: uma, eu era adolescente e, juntamente com a minha turma do bairro Doze Anos, criamos o bloco de salão “Os Hippies”. Local da folia: AACDP. Faz tempo. Depois, já adulto, uma tournée pela região oeste, percorrendo as principais cidades: três dias sem dormir – no quarto dia não aguentei e descansei.

Depois disso, no ano de 1979, no extremo norte do Estado de São Paulo, São Sebastião, encravada no meio da Mata Atlântica: um carnaval inesquecível.

Verdade. Esse foi o carnaval onde a reflexão se fez presente nos quatro dias e quatro noites. Sem batuque, nem tamborim, armados apenas com mochilas e municiados com tendas, cobertores, enlatados, violão e uma boa dose de aventura, eu e mais cinco companheiros nos instalamos numa praia deserta da região (São Sebastião tem mais de trinta delas) e desfrutamos, sem modéstia, da mãe natureza e de sua beleza selvagem.

As provisões subsequentes- aquelas diárias – eram adquiridas na vila mais próxima de onde estávamos – cerca de dois quilômetros. Os cantis eram abastecidos com o precioso líquido que matava a sede e limpava a alma, enquanto que, o líquido etílico – aquele que dava o fogo necessário para os discursos inflamados anti quase tudo – tinha seu espaço reservado e era adquirido em proporções, digamos, para cada cantil, quatro vezes mais.

As noites eram, portanto, de discursos, mas também, de declamações poéticas. E tudo fluía para o bom desempenho das falas: o recorte da realidade, de onde estávamos, era lindíssimo: a lua nos fazia companhia, emprestando seu brilho para os versos e entregava, de mão beijada, para os primeiros raios do sol, as rimas que ainda faltavam para o final da poesia; a mata fechada, virgem, dava o tom de intransponível, de fortaleza interior, nas convicções filosóficas de Marx; o mar, seu barulho e a brisa da noite nos deixavam ver apenas o brilho branco de suas ondas que vinham se derramar nas areias, de onde, bem perto, nós o homenageávamos; as estrelas eram pontos fixos, que pareciam luzinhas de vários prédios da cidade grande, e nos serviam de inspiração para as reflexões individuais quando, já tarde da noite, dávamos uma pausa para meditar sobre o mundo.

Das canções cantadas ao vento – que carregavam para longe os agudos e graves – ficou a lembrança de “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, de Geraldo Vandré (Era o nosso hino – cantado exaustivamente todas as noites); de “Debaixo dos Caracóis Dos Seus Cabelos”, a homenagem a Caetano Veloso feita por Roberto Carlos e, a contrapartida, de “Como Dois e Dois”, a homenagem de Caetano para o rei.

No fim, de verdade, só ficaram os sonhos daqueles que iam mudar o mundo – para melhor – e a saudade de um carnaval onde não se ouviu o barulho de um surdo, nem o grito de “Olha a Beija-flor aí, gente!” (Se existisse na época, claro!) Muito menos, a preocupação com a contagem dos votos para se eleger a campeã do carnaval e, muito menos ainda, com o custo de um quarto de hotel, na Cidade Maravilhosa, para se ver o carnaval. Modéstia à parte, tínhamos, ao nosso dispor, o melhor e o maior quarto de todos os hotéis. E olha que era de graça.


 

Obs. Imagem da internet (Praia de São Sebastião)


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 22/02/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1452071
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