MORRER EM UM BLOCO CIRÚRGICO
Dei uma pausa de uns dias nas obrigações por causa de duas cirurgias simultâneas de hérnia que vinham me incomodando há tempos. Aproveitei que meu pai ia ser operado também de uma tendinite no ombro e marquei no mesmo dia e mesmo hospital que ele para um fazer companhia ao outro. Pelo menos em intenção.
Uma cirurgia programada oferece a oportunidade de se observar detalhes e experimentar sensações que as emergências só permitem aos aflitos acompanhantes do debilitado. Por exemplo: o bloco cirúrgico. A gente já chega à porta com a sensação de ser a última porta que vamos ver em vida. Passando-se lá para dentro, passará desta para melhor. Só pelas fisionomias na ante-sala das cirurgias, tem-se uma noção de que a coisa vai ser feia mesmo. Os olhares de pavor, os ouvidos atentos a cada comentário do paciente do lado para sentir se o problema do outro é pior que o seu, se suas chances são maiores, que você há de voltar lá de dentro e rever os outros já operados e sorrindo de alívio, etc.
Passada a porta dos desesperados, a sensação é outra. Ou outras. A primeira é a de ter descido um andar. Não sei se é pela proximidade com o teto, mas parece que literalmente fomos para o andar de baixo. Depois, para quem gosta da fama, os holofotes. As luzes todas do ambiente são direcionadas para o paciente, que, se consciente estiver, sente-se a verdadeira celebridade hospitalar. Depois, vem o alívio efêmero provocado pelas brincadeiras dos médicos, enfermeiros e auxiliares. Todos querendo criar “um clima” ou não querendo deixar “um clima”, fazem piadinhas, perguntas sobre a vida, comentários superficiais para dar a sensação de que nada diferente está acontecendo ou para acontecer. Esta última, pelo menos em mim, gerou o sentimento de que morrer no bloco cirúrgico – de cirurgia programada, que fique bem claro -, é algo sem dor e deixa o morrido com um largo sorriso, de tão agradável a tentativa de nos elevar o astral baixo pelo medo do corte do bisturi. Assim, dormi antes mesmo de terminar a anestesia e acordei ante um falatório geral no momento em que me costuravam as partes incisadas. Parecia que tinha chegado ao paraíso.
Já cortado, reparado e costurado, aqui estou de volta, esperando secar.