OUSADIA DE CRIANÇA...

OUSADIA DE CRIANÇA...

Tonha: antoniazilma@hotmail.com

Ao passar em frente a uma igreja de evangélica, onde eu já havia morado em suas proximidades, sem querer, lembrei-me do maior constrangimento que até hoje passei em minha vida. Eu tinha, na época, apenas nove anos de idade e, como toda criança normal, gostava de brincar. Numa dessas brincadeiras, eu estava saltitando nos espaços da amarelinha - mais algumas colegas -, quando escutei um coro de pessoas dizendo em voz alta:

- Aleluia... Aleluia irmão!

Por gostar muito de brincar, e ser, também, muito curiosa, eu falei para as colegas:

- Vou ver que tanta aleluia é essa.

Não hesitei em ir verificar, só que eu não tinha me dado conta que estava vestindo mini-saia e uma blusa tomara que caia (na época também não entendia as regras daquela igreja), o que foi o suficiente para o pastor, ao me avistar no meio da porta da igreja, parar de dizer “aleluia!” e dizer alto e em bom tom:

- Você, menina indecente, fora daqui! Você está desrespeitando a Casa do Senhor!

Nossa! Todos se viraram e olharam pra mim. Saí correndo e chorando desesperada... Não tive coragem de dizer a ninguém, nem aos meus pais. Apenas disse, para mim mesma, que jamais colocaria meus pés outra vez naquela igreja.

Evitava até falar com alguém que sabia ser evangélico; sentia-me impura perto deles, indecente... O pior que este gesto desmedido do pastor me custou anos de aversão a Igreja Evangélica, pois eu poderia ser adepta a qualquer uma outra religião, mas nunca ia entender o que significava tanto fervor em dizer “aleluia”.

Não tinha raiva de pastor, apenas sentia medo, até que na pré- adolescência um pastor, ainda da minha família, me perguntou por que era que, quando ele visitava meus pais, eu sempre ficava no quarto e só saia quando ele ia embora.

Eu só respondia que era porque não gostava de crente (e levava o nome de malcriada). Então, este pastor só sossegou quando leu vários capítulos da Bíblia, e eu, atrevidamente lhe dizia:

- Gosto da palavra de Deus, o que eu não gosto é de crente. Tenho abuso de crente, pois são muito donos da verdade, se julgam as pessoas mais decentes de todo mundo, por isso tratam mal as pessoas e julgam pela aparência, sem ao menos conhecer, de verdade, as pessoas com quem estão lidando.

Pronto! Foi o suficiente! Fiquei uma semana de castigo, sem sair de casa e sem ler (vejam que absurdo!) para aprender a não responder aos mais velhos, principalmente, aos pastores.

Depois disso, eu passei a ler a Bíblia com mais freqüência e descobri um acervo maravilhoso de livros com histórias fantásticas, mas, também, tinha algumas coisas que eu não compreendia. Por exemplo: um homem poder casar com várias mulheres, mulher menstruada não poder tocar em nada, um gigante ser derrotado com uma pedrada, um homem numa cova cheia de leões e não ser atacado, Jesus ser escutado por mais de cinco mil pessoas (sem o microfone), Sansão ter força nos cabelos, engravidar do Espírito Santo...

Enfim, com o passar do tempo tudo foi superado, compreendi que não podia julgar uma religião por um ato isolado de um certo pastor (mas nunca me entusiasmei para ser evangélica), que só se vence um medo, se ignorá-lo. Na verdade, cheguei a conclusão que se tivesse dito ao pastor o que ele merecia ouvir, teria sido melhor (talvez não).

Como na vida tudo passa, convivi com boas amizades evangélicas, católicas, espíritas... Procurando respeitar a diversidade, esta pluralidade de caminhos ao Bem Maior.

Atualmente, vejo como tem coisas que se dão em círculos pelo mundo, pois no mês passado o mesmo pastor que me expulsou da igreja, em trabalho missionário, veio parar na porta da minha casa. Permiti que ele entrasse, e pedi-lhe que se sentasse ao meu lado e, ainda lhe servi café, além de ouvir o que ele tinha a dizer da palavra (apesar de conhecer a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse).

E quando ele terminou, ao agradecer-me pela acolhida, falei que ele poderia voltar, porque gosto de receber as pessoas educadamente em minha casa, independente do credo que ela viva.

Aprendi, então, que devemos ter prudência em nossas atitudes, que não existe verdade inquestionável, absoluta... Muitas das vezes o que é verdade - a meu ver -, não o é na vida de alguém e, que, conviver com o diferente é fácil, difícil é ter maturidade para lidar com esta diferença e descobrir quem realmente somos e até que ponto somos capazes de vencermos nossos traumas, nossos medos e continuarmos seguindo na dinâmica da vida.

Antonia Zilma
Enviado por Antonia Zilma em 21/02/2009
Reeditado em 14/09/2022
Código do texto: T1451308
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