Pedofilia

Está se tornando corriqueiro todos os dias nos noticiários, ouvirmos o relato de crianças que foram molestadas sexualmente pelos pais, pelos tios, pelos vizinhos, e até mesmo, por estranhos; num local supostamente seguro, as escolas.

Nunca pensei em abordar esse tema por achá-lo pesado, e por não me achar qualificada para fazê-lo. Mas a vida nos prega peças, nos levando por caminhos estranhos e assustadores. Também ela tem um jeito todo próprio de nos despertar para a realidade que é mais crua do que chegamos a pensar que é.

Fui morar numa cidade, considerada a primeira colocada numa lista maldita; a que tem o maior índice em prostituição infantil. Ignorava isso, na época.

Meu esposo me advertiu sobre as mudanças que eu iria encontrar, e que a vida seria muito diferente da que eu estava acostumada. Falou-me também das pessoas da área rural que costumavam vir nos dias de feira, e muitas delas, quando perdiam o transporte do meio dia iam às casas dos conhecidos, por lá ficavam até os últimos transportes saírem ao final do dia. E que justamente nesse dia, muitas pessoas carentes viriam pedir ajuda. Ciente disso, sempre me preparada às quintas-feiras ajeitando um café reforçado, e indo à feira rapidamente para aproveitar o único dia que poderia encontrar carne bovina. Comprava tudo que precisava porque a próxima oportunidade só dali a oito dias. Adaptei-me rapidamente, porém algo me chamava a atenção: o número de criança na feira era muito grande. Elas não estavam comprando nada, nem próximo a alguém que comprava; aproximavam-se de um adulto, homens de qualquer idade, cochichavam ao ouvido, esse adulto dava um riso de lado, para logo após, na maioria das vezes, sairem pela feira a fora, em direção ao Mercado Público. Quero destacar aqui que por trás do Mercado começava a área rural.

Não comentei isso com ninguém por achar que não valia a pena. Devia ser costume do lugar, pensei. Continuei minha vida de quem saiu de uma cidade grande para descobrir as riquezas interioranas.

Não demorou a aparecer os pedintes. Muitos diziam que estavam com fome. Atendia na medida do possível, mas já percebia que tinha algo estranho. Toda quinta começou um grupo vir à minha casa buscar alguma coisa.Tomavam café, ou, pegavam um trocado, e voltavam à feira; logo em seguida uma das que estava no primeiro grupo trazia mais duas ou três. Àquilo foi ficando insustentável, pois por muitas vezes, as encontrava, de braços com um homem. Não quis acreditar o que meus olhos já estavam me mostrando. Eram crianças na faixa etária entre sete e doze anos. Tinha umas duas ou três adultas no meio. Todas da mesma família, ou pelo menos diziam ser.

Numa quinta chegaram. Meu esposo conversava com uma visita, no terraço. Perguntaram por mim, e foram direto para minha cozinha, onde eu estava lavando as verduras e frutas para guardar na geladeira. Como de costume as atendi; eram cinco. Ofereci café, aceitaram, e, me pediram dinheiro. Disse que não tinha. Não percebi quando uma delas se levantou e foi até o terraço pedir um trocado para o meu esposo. Essa tinha uns nove anos.

Todas elas usavam muita maquiagem, esmalte vermelho, roupa muito apertada, e tamancos altos. Rebolavam, mas imaginava que era porque não soubessem andar sobre calçado tão alto; quanto às roupas apertadas achava que era porque elas só vestiam roupas usadas, e que nunca vinham na medida certa. Quanta ingenuidade!

A que foi pedir dinheiro ao meu esposo, quando não teve uma resposta positiva; se dirigiu ao nosso visitante, e achegou-se de tal maneira que esse nosso amigo se levantou, e lhe mandou voltar para junto de suas amigas.

Estranhei a postura e as palavras de uma delas. Com um short muito curto, roupa decotada estava sentada; de repente colocou os pés sobre a cadeira, abraçou os joelhos, e me perguntou quantos filhos homens eu tinha, e qual a idade deles. Para logo em seguida, levantar-se e ir de cômodo em cômodo olhando tudo, e quando voltou, me disse:

_A sinhora tem uma casa muitu bunita. Si a sinhora quisessi eu vinha morá aqui e lhi ajudava nus sirviçus.

Percebi a troca de olhares, e consegui me sair dando uma resposta que agora me escapa.

Quando sairam, fui até onde meu esposo estava e contei o que tinha acontecido. Depois de me ouvir, ele pediu que nosso amigo contasse o que tinha se passado anteriormente.

Foi quando eu pude pela primeira vez ouvir a triste realidade daquele lugar, e o porquê de tanta criança nos dias de feira.

Àquilo me levou de volta ao passado. Na época que ensinava, fui transferida para um colégio onde gentilmente fui recebida pela direção. Mas depois das orientações costumeiras, fui advertida de que ali no colégio havia muita criança que já se prostituiam. Não quis acreditar. Ela também me avisou sobre uma líder de gang, que tinha apenas quatorze anos! Meu Deus, aonde vim cair!

Peguei meu material, subi a rampa, e desse dia em diante passei por experiências que falam alto dentro do meu ser. Mas dentro desse tema, vou relatar apenas uma:

Quando peguei um ônibus para ir ao trabalho, por estar muito cheio, deixei que o pessoal que estava em pé descesse primeiro; enquanto isso me ajeitava para ficar de pé. Percebi que havia muitos alunos dentro do ônibus. Ouvi claramente quando o motorista disse:

_Presta bem atenção cara. Ela vai rebolando, e depois vai virar para trás e me mandar um beijo.

Pensei comigo, deve ser uma dona qualquer ou quem sabe uma dessas mulheres que gostam de dar em cima de qualquer homem; principalmente os que usam farda.

_Cara, ela tá olhando mesmo!

Ouvi quando o colega de volante confirmou o que o outro já tinha dito. Olhei, qual não foi a minha surpresa. A gata, a mulher fatal, a qualquer dona era uma das alunas da quinta série.

Uma menina que nem sinais visíveis de mocinha tinha! Fiquei tão chocada que não levantei. Continuei sentada, e deixei o ônibus ir. Como estava por trás do motorista, ouvia claramente o que ele falava em voz baixa ao colega. O motorista não percebia que o vento contribuía para que seu segredo chegasse até meus ouvidos. A menina ia completar onze anos e já era dele!

Acompanho pelos meios de comunicação os políticos lutando contra a pedofilia e sou a favor. Se pudesse mandaria prender com pena perpétua os que fossem enquadrados nesse crime, porém algo ainda me perturba: O que muitos pais estão fazendo com suas crianças? Criança deve ser criança, ser tratada como tal; vivenciando seu momento porque a infância passa e não volta mais. Porém o que estamos vendo? Muitos pais estão contribuindo, juntamente com a mídia; para um despertamento antes do tempo. Existe um erotismo visível por todo lugar, e nossos crianças estão querendo ocupar,ou estão sendo levadas a ocupar um lugar que ainda não é tempo de ocuparem.

Volto a afirmar: Não estou tirando a culpa dos pedófilos. Eles merecem ser punidos e com rigor, porém a sociedade precisa despertar para uma doença fatal que está se espalhando, causando muito mal: a falta de formação por parte de pais ou responsáveis. Tenhamos cuidado com nossas crianças. Suas personalidades estão em formação. Elas ainda precisam de quem em nome do amor, lhes façam viver no jardim da vida, e que só poderão ser colhidas quando deixarem de ser botões.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 21/02/2009
Código do texto: T1450919
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