O Sertanejo bom de briga II

Atendendo um convite, sai por volta das dezesseis horas; ia devagar, olhando as paisagens, desanuviando a mente. Ia passar algumas horas com meus amigos naquela vilinha.

Tudo parecia o mesmo. O tempo parecia que tinha parado. As mesmas ruas; apenas duas eram calçadas; as casas com as tinturas descascando, as pessoas desconfiadas...

Sertanejo é assim mesmo. Quando chegam pessoas estranhas no local eles ficam de antenas ligadas. Quando reconheceram o carro, voltaram às suas atividades.

Jantamos na casa de sempre. O dono da casa era o único barbeiro do lugar, e sabiamente fez do espaço que um dia tinha sido um quarto, a barbearia; e da outra metade colocou uma lojinha onde se podia encontrar de tudo: calçados, botões, roupas, maquiagens, cds, quadros, perfumaria, espelhos, guarda-chuvas, meias, etc.

O dono da casa, como a maioria das pessoas daquele lugar, tinha uma criação no quintal. Num espaço de quatro metros por cinco de comprimento podia-se encontrar: pato, galinha, peru, galo, pinto, guiné e muitos ninhos escondidos sobre várias telhas colocadas estrategicamente para que os outros animais não destruíssem os ovos.

Um detalhe, esses animais comiam, para minha surpresa: uma mistura de casca de fruta, verdura e resto de comida. Ou seja, comiam comida de porco!

Mesa farta. Jantamos com alegria. Depois de muita conversa, fomos dormir. Acordei com um som diferente. Cutuquei meu esposo e perguntei o que era aquilo. Ele ainda sob o efeito do sono disse:

_Apenas um carro de boi.

Nunca tinha escutado aquele som. Fiquei curiosa. Até o som e o barulho nesses lugares são diferentes. Depois de agradecer por tão amorosa acolhida, nos despedimos, e fomos visitar outros amigos. Foi quando encontrei aquilo que me despertou pela manhã.

Para quem está acostumado, não acha graça num simples carro de boi. Mas para quem nunca viu de perto, nunca ouviu o som das rodas de madeira em contato com as pedras de paralelepípedos; nunca viu bois tão mansos que obedecem pela postura da vara do condutor; é algo fantástico. A gente sente uma emoção. É como se voltássemos no tempo.

Em cada casa que a visita entra precisa provar algo. É uma ofensa rejeitar. Eu que não tinha sido advertida, agüentei bem nas duas primeiras casas, mas depois, o negócio começou a ficar preto. Numa outra ocasião, narrarei o que me aconteceu quando fui conhecer uma outra cidade, num sertão maravilhoso, onde encontrei um povo caloroso e que o que tinha, colocava à mesa.

Numa conversa, sem mais nem menos, descobrimos que seu Genival desejava nos convidar para um jantar na sua casa, mas tinha vergonha, porque não poderia nos oferecer o que as outras pessoas nos ofereciam. Deixamos claro para aquelas pessoas que teríamos o maior prazer de jantarmos em qualquer casa, e se antes não tínhamos ido em outro lugar era porque o dono da barbearia toda semana nos convidava.

Assim que saímos dali, voltamos à casa de seu Genival e já nos convidamos para jantarmos lá na próxima semana. Ele ficou surpreso, orgulhoso e satisfeito ao mesmo tempo.Nunca vimos tanto sentimento num rosto como naquele momento!

No dia marcado chegamos cedo. À mesa estava posta com a melhor toalha. No centro, uns arranjos de flores de plástico, cuidadosamente distribuído estavam: os copos que eram daqueles de extrato de tomate, uma chaleira, pão, bolo de bacia, rapadura, bolacha e um tipo de queijo que não identifiquei; parecia ser de manteiga, porém de fabricação caseira.

O café do sertanejo é feito da seguinte maneira: colocam água numa chaleira, e quando a água está no ponto, acrescentam o pó de café. Assim que a água ferve, e começa a subir, o bule é tirado do fogo.Pronto já pode ser servido.Até hoje tenho dificuldade de tomar o café feito dessa maneira.Eles tomam com pó e tudo.

E era justamente desse jeito que o café estava. Provei de tudo um pouco, porém o café me foi difícil fazer descer. Mas o importante é que ficaram satisfeitos. Num gesto de gratidão, no dia da feira da cidade, foram nos visitar, e, levaram uma galinha daquelas pretas e com um penacho bem saliente na cabeça. Eu nem mato galinha, nem deixo ninguém matar, e a bichinha ficou velha no meu quintal. Meu bicho de estimação tinha uma vida solitária e deixou de ter o prazer de andar pelo mato, igual às suas companheiras de bico.

Não se rejeita presente. Minha mãe dizia é falta de educação por isso, tive que me abraçar demonstrando grande satisfação por ter recebido um presente que para eles era algo tão especial. Meu esposo pra me abusar dizia: ¨e se fosse uma cobra, uma rã, uma lagarta, um porco, um jumento, um preá?¨

_Meu caro, sairia correndo, e não pensaria duas vezes antes de recusar. Diria, com firmeza: Sinto muito, mas TENHO MEDO DESSE BICHO!!!!!

Todos esses bichos me fazem reagir de forma esquisita. A maioria eu sei que não faz mal, porém meu medo é irracional, e não consigo vencê-lo.

Hoje estou bem distante desse vilarejo; talvez nem volte a rever aquela gente tão trabalhadora e sofrida, mas tenho certeza de que não existe povo mais acolhedor, mais amigo do que encontrei ali.

Seu Genival, sertanejo dos bons, continua na sua batalha. O barbeiro cada vez mais ¨bem de vida¨. O restante vai se remediando com o que tem. E quem por lá passou, e respeitou o modo daquela gente, com certeza, sente saudade, muita saudade.

Provavelmente as coisas já não estão do mesmo jeito. Já faz quase dez anos que passei por lá, mas ficou a certeza de que, uma parte do meu coração deixei naquela vilinha.

Há uma outra história, mas ela é triste. Deixarei para contar em outra ocasião...

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 21/02/2009
Código do texto: T1450664
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