O MEDO DO SEMELHANTE

Cinco da manhã – rua deserta!

No ponto do ônibus três pessoas entreolhavam-se

desconfiadas. Tentei aproximar-me, logo senti a rejeição...

olhavam-me, como se eu fosse um ladrão... um assaltante...um

marginal. Movimentava-me, elas se afastavam, conservando a

distância; olhando-nos um para o outro com assombro. Come- cei a pensar: - outrora as pessoas se cumprimentavam na rua; fa-

ziam perguntas, mesmo desajeitadas, apenas, pela necessidade

do calor da presença... arranjar novas amizades, ainda que mo-

mentâneas, pelo simples prazer da comunicação, do diálogo.

Na calçada, no botequim, na condução ou em qualquer

parte puxava-se um papinho: - “Bom dia, pode me informar as

horas? Aceita um cigarro? Tem fósforos aí? Que ônibus você

Vai pegar? O que acha dos planos do governo?”

Assim, se chegava ao objetivo real, que era o desabafo

coletivo, até mesmo para elogiar, protestar, concordar, perdoar;

enfim, conversava-se e o tempo passava.

Agora todos estão convencidos de que não se deve mais

puxar assunto com ninguém...fugir das pessoas como se todas fos-

sem feras perigosas. Disse-me uma senhora:- “Não está escrito na

testa; não se sabe; pode ser um malfeitor... devemos ter cuidado!”

Outra senhora falou-me, que seu marido foi assaltado no

ponto do ônibus, em plena luz do dia, com todo mundo vendo e nin-

guém fez nada!

Há poucos dias o apartamento de um amigo foi arrom-

bado e ele perdeu todos os seus haveres.

No bairro, recentemente, uma criança foi seqüestrada...

assim, ficaríamos o dia todo ouvindo casos iguais ou parecidos: A-

partamentos com várias fechaduras, grade nas janelas; telefone, inter-

fone, circuito interno, seguranças, vigias, portão-de-ferro, tranca nas

portas; vivemos enjaulados, encaixotados, assustados; na frente do

“vídeo”, com o rádio no pé da orelha; pega-ladrão, olho-mágico...ve-

mos em tudo um inimigo comum: -“O MEDO DO SEMELHANTE!”...

O medo do semelhante virou mania, neurose, pesadelo, imaginação e

desespero. Chega-se a criar situações irreais, como: - Eu vi! Me dis-

seram! Ouvi falar! Pode acontecer... o caso é sério!

Isso faz com que muitos carreguem nos bolsos: - amuletos,

figas, colares, dente-de-coelho, orixás, terços, rosários, crucifixos, ora-

ções, arma-de-fogo, canivetes, facas, testamentos e procurações, ESTÁ

DECRETADO O TERROR!...

O refrão mais escutado ultimamente, é: Queremos acabar

com a violência!...ao mesmo tempo em que fervemos por dentro. Pedi-

mos paz através dos meios de comunicação – no entanto – somos uma

pilha de agressividade. Atacamos o egoísmo, mas não cedemos nas ati-

tudes; apenas, palavras soltas... desabafos...emoções incontidas.

Encontramos na rua o homem faminto, a criança abandonada, o

mendigo debaixo da marquise, o velhinho na porta da Igreja, o fugitivo

do hospício, tudo isso, - incriminamos, condenamos, criticamos mas

passamos à frente deixando pra lá... lamentamos sem contribuir para ex-

terminar os focos da miséria tão comentada e discutida. – “SOMOS TÃO

EGOÍSTAS, QUANTO DIZEMOS QUE NÃO SOMOS!...”

Não assumimos nada! Sempre transferimos a culpa para “eles!”

Eles quem? Não sabemos! Eles. Um eles invisível, universal, que não sabe-

mos quem são. Isso nos alivia na consciência, o peso que transborda do in-

finito de cada um, de acordo com seus interesses e desejos.

É COMO QUERER VIVER NUM MAR DE ROSAS, NUMA CI-

DADE, COM MILHÕES DE PESSOAS TONTAS!...

Zecar
Enviado por Zecar em 03/05/2005
Reeditado em 03/05/2005
Código do texto: T14502