Lembranças do tempo de internato

Por vontade própria, já que em casa reinava certa desarmonia, fui para colégio interno; o mesmo em que já havia estudado em anos anteriores. A princípio, foi custoso; não só por sentir saudades de casa, como também por ter que me adaptar às normas severas da escola. A rotina não era simples: acordar às 6h; virar o colchão e arrumar a cama; vestir-se e pentear o cabelo rápido, usando só um espelhinho de bolsa (no colégio, não eram permitidos os espelhos...); formar e, com todas as meninas juntas, ir à capela para assistir à missa. Só depois, no refeitório, seria servido o café da manhã (café com leite, pão com manteiga) para, então, de 8h ao 12h, assistir às aulas do currículo.

Eu estava com 12 anos e cursava a primeira série do Ginásio, o que corresponde, hoje, ao 5ª ano do Ensino Fundamental. Tinha poucas colegas. Ao ingressar no internato, minha mãe havia incumbido uma delas, já antiga como interna, de me ajudar. Apesar de termos a mesma idade, ela tomou aquele pedido ao pé da letra e realmente se transformou em uma grande amiga: explicava-me e ajudava-me sempre a resolver minhas tarefas diárias. Nunca mais a esqueci; chamava-se Aida Maria. Lembro de sua dificuldade em algumas matérias, como Matemática; por gratidão, passei a estudar mais para poder ajudá-la também. Quanto mais eu tentava ensinar-lhe, mais eu aprendia; afinal, para ensinar, tinha de compreender bem a matéria. Dessa forma, tornava-me uma aluna melhor. Posso dizer que o internato favorece os estudos, pois temos hora determinada para cada atividade. O tempo é bem dividido e disciplina-nos.

Após as aulas, almoçávamos. Nosso refeitório era grande e havia muitas mesas. Em cada uma, sentavam oito meninas. Não podíamos conversar até que todas fossem servidas. Então, uma de nós era escolhida para ler, lá na frente, geralmente a história de algum santo. Só depois de todos servidos é que poderíamos repetir alguma comida, exceto carne. Logo depois, éramos liberadas do silêncio e o falatório começava. Havia, em surdina, reclamações sobre o que gostávamos ou não na comida e, sem que uma freira visse, trocávamos de prato, passando para outra colega a verdura ou o legume indesejado.

Após o almoço, recreio. Ele durava menos para mim, porque cursava aula de piano. Quando eu regressava, todas as meninas já estavam na sala de estudo; era momento de fazer os deveres e de estudar até a hora do lanche.

Comprávamos merenda na cantina e fazíamos mais outro recreio, porém menor. Voltávamos à sala de estudo. Logo depois, começava a hora dos banhos. Estes eram liberados, aos poucos, a cada grupo de três a quatro meninas. Era um momento de alegria! Uma freira, querida por todas pelo seu jeito alegre, tomava conta de nós. Contava-nos histórias, cantava e tocava violão. Era tão diferente das demais, sempre sérias!

Banhos encerrados, era hora do terço. Afinal, já eram 18h. Íamos para a capela. Na ponta de cada banco, sentava uma menina, e a reza começava a ser puxada por uma irmã. Nesse momento, parecia que eu sentia mais saudades de minha mãe e, sem que alguém percebesse, as lágrimas, por mais que me esforçasse em contê-las, teimavam em rolar... Era minha pior hora do dia!

Em seguida, o momento do jantar. Primeiramente, era servida uma sopa rala da qual ninguém gostava; contudo, éramos obrigadas a tomar. Por pura sorte, na minha mesa, havia uma colega amante de sopa e, às escondidas, trocávamos nossos pratos! Após o jantar, fazíamos outro recreio até a hora de ir para o dormitório.

Havia vários quartos, todos com oito camas; uma delas era destinada à irmã que nos acompanharia durante a noite. Sua cama era especial, cercada por um biombo. Meu aposento era no andar superior e ficava de frente para a rua. Sempre que chegávamos para dormir, a janela da sacada estava aberta e, até a irmã entrar, ficávamos com a luz apagada, apreciando a rua... Bem defronte, avistávamos o portão de uma vila, sempre com um casal de namorados. Ríamos baixinho e, de maneira irônica, tecíamos comentários sobre os dois. No fundo, invejávamos o casal que nem percebia nossa observação... De repente, quando escutávamos os passos da irmã, revelando que entraria no quarto, de uma vez só, todas se enfiavam embaixo das cobertas e fingiam dormir.

Um dia, fui chamada à presença desta irmã. Ela desejava saber o que acontecia comigo, pois, todas as noites, ouvia-me fazendo um barulho estranho, como se soluçasse. Expliquei, envergonhada, que eram soluços trancados em mim. Afinal, eu chorava na hora do terço... Ela sorriu, e não disse mais nada...

A cama de Aida ficava ao lado da minha; observava como ela arrumava, embaixo do colchão, prega por prega da saia do uniforme a ser usado no dia seguinte. Sua roupa era impecável e, ao sentar, fazia-o com todo cuidado! Eu admirava aquele seu jeito cuidadoso e organizado, tão diferente de mim...

Nos fins de semana, voltava para casa; era uma festa, então!

Estive interna por um ano; no ano seguinte, mudei para o sistema de semi-internato (isso é, passava o dia no colégio e dormia em casa). Assim era bem melhor!! Todavia, tenho que assumir que aqueles anos como interna foram proveitosos para mim..

Lisyt

Lisyt
Enviado por Lisyt em 19/02/2009
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