Vizinhos

Olho no retrovisor antes de saltar do carro. Os dois portões principais das outras casas estão abertos e dois casais se apropriam de parte da calçada. “Boa noite” e ouço a resposta em coro “Boa noite”. Os graves e agudos bem equilibrados, uma das damas está de pé e os outros sentados. Olho-a de rabo de olho, ela é realmente bem rechonchudinha, não sei a sua graça, pois o marido tem a voz bem menos estridente, assim não consego ouvir como ele a chama. Ele se chama Leo, às vezes Amor. Em março fará dois anos que moro na casa cinco e nunca dialoguei por mais de cinco segundos com o casal da casa dois. São cinco casas, duas com entradas separadas e as outras três com um mesmo corredor de acesso.

Destranquei o portão e entrei, mas sinceramente tive vontade de sentar com meus vizinhos, perguntar primeiro quem são, em que trabalham, se são daqui, se irão viajar no carnaval, se pensam em ter filhos e qual o nome do cachorro, ou será cadela? Coitado, pelas manhãs costuma uivar tristonho. Um colega veterinário diz que o uivo é a comunicação entre eles. Mais triste ainda!

Entrei apressada. Dobrei as roupas que havia recolhido no horário de almoço, andei pela casa com os pés no chão, que por sinal está sujíssimo, entretanto, com viagem marcada para o final de semana, não compensa limpar a casa. Mas as chávenas na pia não merecem mais um dia no limbo! Maçã agora vai bem, mas não, melhor o cabernet sauvignon da Serra Gaúcha, já que me faltou coragem de jogar conversa fora com meus íntimos vizinhos. Íntimos sim, pois enquanto escrevo sob a mesa da cozinha, sinto-os bem próximos a utilizarem o quarto de banho. Extremamente íntimos, pois no ritual do amor, ouço os gemidos e de vez em quando umas palavrinhas bem safadas.

Último golo e ainda tenho que tomar banho. Ontem à noite, sentada ao lado de Publius Lentulus (este não é o rei da Judéia), a sombra da irmã morte se fez passar. Que situações loucas são essas que escolhemos? O fim é certo... Meu amigo e eu passamos manhã, tarde e noite lado a lado. Convivo parede a parede com quatro mundos distintos que no decorrer de dois anos, não estabeleceu-se ainda nenhuma relação dita normal (somos íntimos desconhecidos).

A minha família consangüínea se encontra em outra cidade, meu amado, idolatrado, salve, salve, também.

O que mais me assusta e apavora é que sei que o fim é certo pra todos/as (mais cedo ou mais tarde), contudo a balança parece estar sempre pendendo para o lado menos importante e satisfatório. Até quando? Melhor não contabilizar...

Os amantes agora voltam a usar o quarto de banho. Possivelmente com seus cheiros e fluidos característicos. O barulho da água é estrondoso.

Lígia Martins

19/02/2009.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 19/02/2009
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