O Telefone Toca
Estou sentada saboreando meu almoço, numa conversa alegre com a família, desejando que aquele momento fosse eterno, quando o telefone toca. Vou atender esperando que não seja um chato querendo conversar numa hora tão imprópria.
_Alô.
Do outro lado uma voz me responde e pergunta logo em seguida:
_Alô, quem fala?
_O senhor quer falar com quem?
Insiste a voz do outro lado:
_Quem é que fala?
_O senhor está ligando pra onde?Pergunto com voz arrastada.
_Me diga seu nome.
Insiste novamente aquela voz.
_Moço, o senhor é quem está ligando, então, quem deve se identificar é o senhor!
Penso no meu santo almoço que esfria. E no que mesmo estava falando quando esse bendito aparelho tocou?Sei lá!Pra que é que eu me levantei? Devia era ter deixado esse troço tocar até se ¨cansar¨.
_Moça!
_Diga, senhor.
_Quem é que fala?
Respondi com aquela voz de gente que tem título.
_Aqui quem fala é a senhora Silva.
A voz emudece, mas volta a detonar:
_A senhora deve ser muito importante.
_Por que o senhor acha que eu sou importante?
Altero a voz para logo cair em mim. A voz é que está ligando. Não preciso dar satisfação da minha vida, nem tão pouco preciso me identificar.
_Moça, é que a senhora disse que era a senhora Silva, então sua família tem nome.
Essa foi a resposta que recebi e que me fez pensar: E a sua não tem nome, seu bobão? Mas imediatamente a voz do coração falou mais alto: Seja gentil.Não percebeu que essa pessoa está querendo falar com alguém? Com certeza, tem dificuldade para se comunicar.
_Moço, não sou uma pessoa importante, nem minha família é importante.Respondi com a voz mais suave que pude encontrar.
À mesa a família pára de conversar e passa a prestar atenção ao meu ¨bate-papo¨com a voz.
_Moço, pra que número o senhor está ligando?
_Não sei, senhora. Pedi pra um rapaz que estava ao telefone. Passei o papel pra ele e ele me deu o aparelho e agora estou conversando com a senhora.
Enquanto ele me respondia com tanta simplicidade, eu fazia uma prece:
_Valha-me, meu Jesus!
_Calma, respire fundo.Era o conselho que meu amado pai sussurrou ao meu ouvido.
Meus filhos colocaram a mão na boca no impotente gesto de abafar os risos. Fiz cara feia. Eles tentaram prestar atenção no vovô que falava qualquer coisa sobre respeito com as pessoas.
_Moço, o senhor sabe o nome da pessoa com quem o senhor quer falar?
_O nome dela é Juceli.Eu conheci ela na feira de troca-troca, aquela bem famosa.
Eu não sabia que feira era essa, muito menos se era famosa e já estava com raiva só por saber que essa tal feira existia.
Coloquei a mão no fone, e falei o mais baixo possível:
_Coloquem meu prato no microondas, por favor!
Parece que eu não falei baixo o suficiente ou a voz do outro lado tinha o ¨ouvido de tuberculoso¨, pois imediatamente me respondeu:
_Que prato, minha senhora? E o que é microondas?
_Moço, não estava falando com o senhor.
_Como não? A gente está ou não está conversando?
Respondi como se tivesse falando com uma criança. Arrastei cada sílaba:
_Eu quis di-zer que an-tes fa-la-va com meus fi-lhos. Pe-dia que e-les guar-das-sem o meu pra-to de al-mo-ço!
_A senhora estava almoçando?
_Moço, por favor, acho que o senhor ligou para o número errado.
_Moça, eu já lhe disse que não fui eu que liguei, foi o outro que estava antes de eu!
Meu Deus, daí-me mais um pouquinho de paciência! Fazia força para não mandar a voz para Cochichina! Que vontade de bater o telefone!
_Alô, a senhora ainda está aí?
_Sim.O que o senhor quer?
_Moça,estou gostando de conversar com uma pessoa assim tão boa como a senhora. Tô até com vontade de chorar.
_Chorar? Porque, moço?
Silêncio do outro lado.
_Moço? Alô?Alô?
Alô,moça. Respondeu como se realmente estivesse em lágrimas, para logo em seguida acrescentar com voz entrecortada:
_É que a senhora tem a voz da minha mãe!
Voltou a chorar. Podia lhe ouvir claramente. Fiquei sem ação.
O que lhe disse como palavras de consolo não sei dizer . Só sei que perdi o apetite e fiquei sem saber se sentia raiva daquele aparelho que me fez ter uma conversa tão estranha.Ou se torcia que ele voltasse a tocar, e do outro lado outra vez, àquela voz me dissesse:
_Alô, quem fala?