A queda de um ídolo
A QUEDA DE UM ÍDOLO
O dia acordou satisfeito. Até o sol - que há tempos não comparecia aos matinais - veio com todo o seu esplendor. As nuvens apareceram e o céu pôde ostentar um azul soberbo, propiciando até a visão dos misteriosos discos voadores.
O dono do bar, todavia, amanheceu mal-humorado. Levantou-se, com a preguiça, que lhe era peculiar, lavou o rosto, tomou o seu cafezinho e vestiu o paletó surrado. Pronto! Estava quase apto - não fora a preguiça - a iniciar o trabalho. Olhou o relógio e viu que já eram as seis. Bocejou, abriu a porta e saiu.
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Às sete horas o bar estava aberto à distinta clientela.
No meio dessa distinção pontificava o velho Olímpio, cuja velhice zombava dos anos passados. Olímpio sorria, como sempre. Nele se percebia, dos seus semi-cerrados olhos - apesar do miserável aspecto de farrapo humano - fulgor digno de um César. Estava sempre só, e creio que nunca dera por isso. Parecia não sentir falta de ninguém e de nada. Parecia feliz em silêncio, perdido em seus pensamentos.
O sol continuava brincando lá fora, e o Olímpio cismando lá dentro. . .
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Ainda que cause estranheza dizê-lo, aquele pobre velho fôra, na mocidade, um dos homens mais cultos do seu tempo. Filólogo magnífico e orador emérito, causava admiração a quantos o conheciam. Perderam-no, talvez, a exagerada confiança no amanhã e a sua irredutível personalidade.
Destacou-se nas letras pelo temperamento liberal e pelo estilo próprio. Satirizava, com sucesso, os grandes fatos da época, apontando falhas, promovendo reformas, a todos encantando com seus incontáveis recursos e sua fértil imaginação. Gozava do respeito de muitos e da inveja de outros . . .
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Não há bem que sempre dure, e assim o foi com o pobre homem.
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Certo dia, forçado pela ingratidão dos semelhantes, tornou-se iconoclasta e despedaçou a imagem que adorava: a deusa que o seu prodigioso cérebro criara. Tomou-a nas mãos e fê-la em mil pedaços.
Pobre Olímpio! Com o ídolo querido, sua malfadada esperança na vida foi pelos ares. Tornou-se apenas mortal e fugiu do convívio dos deuses, por sentir-se indigno deles.
Sua decadência foi rápida e triste, carregando para o abismo da mediocridade todo o seu sonho de moço.
Olímpio se deixou levar pelo desgosto e se juntou aos indecisos caminhantes de sua querida cidade, querendo fugir da angústia. Tornou-se uma sombra, inexpressiva, quase apagada. Estava quase vencido. Restava-lhe apenas o orgulho de não se ter curvado . . .
Esquecido de tudo e por todos, errou de mágoa em mágoa, até encontrar aquele bar acolhedor e amigo, que soube adotá-lo como filho. Olímpio aceitou-o como pai e ali se instalou para todo o sempre, porque somente ali encontrara alívio, no borbulhar da aguardente que lhe descia pela garganta.
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João Bosco Costa Marques.