Livin' in America - Obama, o 44º presidente branco
Sei que é um pouco tarde para falar da eleição à presidência de Barack Obama, principalmente porque os votos já foram contados e ele até já tomou posse, mas há algo que me inquieta, desde que todo este furor começou e Obama despontou como o favorito à Casa Branca.
Dois eventos em particular despertaram minha desconfiança sobre esta eleição; dois eventos frívolos, corriqueiros, mas que me revelaram uma nova perspectiva sobre como os americanos brancos viam Obama.
Havia três cachorros na rua: um preto, um marronzinho (quase bege-claro) e um branco. Alguns mendigos passaram e apontaram para os cachorros e começaram a nomeá-los. O branco era a Hillary Clinton, o preto era Colin Powell e o bege era, para minha surpresa, Obama.
Minha esposa imediatamente retrucou:
- Não, o Obama é o preto.
Mas os mendigos não aceitaram.
- Não, o Obama é metade branco, o Obama é o cachorro bege.
E o segundo evento foi quando, en passant, escutei, com o rabo de ouvido, a conversa entre uma mulher e um homem, brancos, sobre a eleição. A mulher, aparentemente defendendo seu ponto de vista e justificando seu voto em Obama, disse:
- Sabe o que é estranho? Eu não vejo Obama como um negro, mas apenas como um homem.
Estas duas histórias imediatamente me fizeram recordar do nosso presidente Lula. Toda a imagem que havia sido criada durante a carreira política dele era a do sindicalista, camiseta vermelha, barba desgrenhada e gritos de ordem sobre um palanque improvisado.
Mas esta imagem de político revolucionário-comunista não ganha eleições. Era mais ou menos na época da primeira vez que Lula se candidatou que eu ouvia muito as pessoas comentando:
- Eu não vou votar no Lula, porque senão vou ter que dividir meu apartamento com outras pessoas e eles vão tomar meu segundo carro.
Lula era temido porque trazia à tiracolo o estigma do comunismo. No entanto, bastou ele mudar a imagem, vestir terno e gravata, reduzir o tom de voz e falar pausamente, que a classe média foi conquistada.
Lula foi eleito, e reeleito.
Vejo um grande paralelo, neste sentido, entre Lula e Obama. Ambos disseminavam uma mensagem de esperança, ambos representavam uma mudança significativa no cenário político - o primeiro, um torneiro mecânico, sem muita educação, tornado presidente; o segundo, um negro, num país extremamente preconceituoso, tornado presidente. Ambos dependiam da classe média para se elegerem.
Apesar do apoio dos latinos e dos negros, Obama jamais venceria as eleições se não fosse a adesão da classe média branca norte-americana. Mas a classe média branca norte-americana jamais aceitaria um presidente negro, se a imagem que Obama nos passasse fosse a mesma que boa parte dos negros americanos possui, as calças largas mostrando a cueca, o jaquetão de couro, o boné de aba reta virado pro lado, o inglês de gueto e os ameaçadores gestos de cantor de rap.
Com uma imagem destas, Obama jamais ascenderia na carreira política, pois esta é uma imagem associada ao ódio racial e ao medo.
Para se eleger, Obama precisou acolher e expressar valores brancos norte-americanos, o terno, a boa educação superior, a fala articulada e, principalmente, o foco na recuperação da economia.
Reúna uma combinação de fatores - a catastrófica administração Bush, a crise imobiliária e financeira, um adversário prenunciando uma continuidade nos erros da gestão anterior, e um clima de esperança e mudança - e é fácil compreendermos como o branco americano lançou para os porões do inconsciente seu preconceito e se recusou a dar importância à cor do candidato. Para os americanos brancos, Obama é um deles.
E não é à toa que Obama se esforçou para se afastar do pastor Jeremiah Wright, cujo culto ele frequentou por vários anos, e dos discursos antipatriotas dele, mesmo que este pastor houvesse dito muitas verdades.
Obama se enbranquiçou para conquistar os americanos, mesmo que para os negros ele continuasse sendo o reflexo duma grande conquista social.
Em 1963, Martin Luther King Jr. projetou para a América o seu sonho de igualdade, de que os filhos dele vivessem "numa nação na qual eles não fossem julgados pela cor de suas peles, mas pelo conteúdo de seu caráter".
Em 2008, Barack Hussein Obama empacotou, promoveu e vendeu este sonho; talvez ele não tenha conseguido evitar que os americanos o julgassem pela cor da pele, mas pelo menos ele teve êxito em fazê-los fingir que não julgam.
(Publicado em www.maosdevaca.com)