Além do tempo e da imaginação
Não sou Adão, muito menos minha senhora é Eva. Temos outros nomes, escolhidos por motivos que, porventura, não vem a calhar. Mas, mesmo não sendo o tal primeiro homem que habitou essa terra, tenho em mim a existência eterna, dos dias e anos que pesam sobre meu corpo e minha mente. Não como um ser vivo no sentido biológico da coisa, mas como algo simplesmente existente. Afinal, o que é vida? Vem-me esta dúvida agora. Seria a capacidade de se mover? Ou seria a de sentir? Sim, por que me movo e sinto coisas, ando, e além de andar vejo, cheiro e ouço. Vida seria então aquelas coisas de células, mitocôndrias, coacervados, proteínas, sopa primordial... é, seria no sentido teórico, mas o mundo é mais prático que isso. O que me faz refletir sobre tais questões é o fato de que sou eterno. Tenho algo em mim que existe desde que o universo nasceu. Tenho um átomo. Na verdade milhões. Ou trilhões. Não importa. O que realmente tenho certeza é de que ao menos um átomo em mim esteve entre os mais fantásticos momentos da história. No BigBang, com certeza. Foi um dos primeiros a nascer. Conviveu com a antimátéria, por míseros milésimos de segundo. Mas esteve lá, isso é que importa. Esteve no surgimento do Sol (só não sei como chegou à nossa estrela), da Terra, e no surgimento da vida. Possivelmente fazia parte de uma cadeia de aminoácidos que originaram as primeiras células. Estava no corpo de algum dinossauro quando estes se extinguiram. Viajou pelas eras geológicas. Participou dos corpos dos primeiros hominídeos, até culminar no famigerado Homo Sapiens. Esteve no Egito antigo, na Grécia antiga, em Roma. Juntou-se a outros átomos de reis, filósofos, artistas. Santos, santas, assassinos, genocidas. Esteve na revolução francesa, na revolução industrial, na revolução feminista. Participou de tantas histórias magníficas, até que chegou aqui, no Brasil. E veio parar no meu corpo. Não sei dizer direito como, talvez tenha chegado pela comida, ou pelo ar. O que importa é que tenho em meu corpo um pedaço da eternidade. Tenho em mim algo que viajou no tempo, cruzou os limites da existência, até aportar junto aos átomos que me compõem. Daqui, não sei para onde vai. Logo, possivelmente, sairá de alguma forma, e viajará tantos anos pela frente, de corpo em corpo, de nação em nação, de era em era. Leva apenas lembranças, fragmentos de vidas. Se existir aquilo que chamam de alma, quem sabe leve um pedaço dela também. E esse é apenas um dos muitos átomos que compõem meu corpo. Imagine os outros.