PEDALANDO

Não teria aprendido a andar de bicicleta, aos cinco anos, se não tivesse sangrado os dois joelhos e ralado as duas mãos. Lembro-me com precisão de cada tentativa mal feita, que acabava me pondo ao chão e a minha mãe em alvoroço por ter que refazer os curativos. Não me recordo quanto tempo foi necessário para a cicatrização das feridas, apenas da felicidade ao desbravar as ruas na minha bicicleta vermelha.

Moral da história: Ainda crianças, descobrimos que é precisos cair para aprender.

Quando adultos deletamos este aprendizado. Não gostamos de nos expor às experiências mais radicais e desejamos que a vida seja um ensaio simples, perfeito, linear, sem nenhum desvio. Preferimos a existência indolor na nossa zona de conforto. Desta forma nos preparamos para as inevitáveis quedas.

Pegos de surpresa quando nos damos conta já estamos sangrando imperceptivelmente. São quedas diferentes, sem sangramentos ou hematomas aparentes. Algumas sutis, outras bruscas, algumas trágicas... Porém, todas dolorosas. Então um dia me peguei pensando: “O que é a vida senão uma bicicleta que nos permitirá grandes emoções, se nela soubermos nos equilibrar?”

Inevitavelmente esta experiência nos proporcionará muitas quedas, muitos arranhões e muita dor. Com o tempo a bicicleta vai se tornando mais sofisticada, mais complexa e, conseqüentemente, exigirá mais habilidade e treino. Não se consegue isto sem sofrer sequer um arranhão. Tal como a metamorfose da lagarta que precisa romper o casulo confortável para virar uma linda borboleta. Como as plantas, que precisam ser podadas para reflorescerem mais fortes. Como o feto que precisa fazer uma passagem difícil, abandonando o ventre da mãe para ser alguém.

Viver é ter que topar com muitas decepções pelo caminho que machucarão impiedosamente. Nem sempre poderemos desviar das esquinas bruscas, das descidas íngremes, das pedras deslocadas. Muitas vezes vai ser necessário passar por elas, cair no chão, e então levantar. Sacudir a poeira, cuidar dos arranhões e novamente subir na bicicleta e voar em busca de grandes e novas emoções.

Minha bicicleta vermelha é apenas uma lembrança. Sigo me equilibrando numa enorme bicicleta agora...E não desisto de pedalar.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 18/02/2009
Reeditado em 18/02/2009
Código do texto: T1445626