Fim de expediente
          Um dia com sol brilhante não fazia supor um fim de tarde chuvoso, mas foi o que aconteceu. Fim de expediente nos vimos presos no velho casarão onde trabalhamos. E cada um continuou em sua mesa, contando casos. Alguém lembrou que era sexta feira dia treze e daí as histórias se tornarem de assombração foi um passo. Velhas histórias causando arrepios se confundindo com os tremores trazidos pelas chuvas. Abri meu caderno e comecei a rabiscar. Não podia perder a chance de transformar cada caso em uma crônica. Foi me relembrada uma, passada em São João del Rei, cidade onde estudei em colégio interno e da qual tenho boas lembranças. Aqui reconto certamente aumentando um ponto que é disso que são feitas nossas histórias que se transformam em lendas e passam a fazer parte do folclore. 
               
           “Era uma mulher de destaque na sociedade. Era também profundamente religiosa. Levantava-se todas as manhãs, ainda noite escura, para ir até a Igreja mais próxima de sua casa. Naquele diamanhãnoite acordou ouvindo os sinos chamando para a Missa das cinco. Levantou-se apressada e caminhou em direção à Igreja, nem mesmo estranhando o fraco movimento das pessoas na rua: Pois já não estava atrasada? Acordara com os sinos e todos já deviam estar lá, em seus lugares, rezando. A Missa já havia começado. Entrou ligeira e ocupou um banco vazio bem atrás para não chamar atenção. Executou todos os rituais: persignou-se beijando as pontas dos dedos ao acabar, colocou o branco véu de moça solteira para cobrir sua cabeça em sinal de respeito, no pescoço todas as fitas das irmandades as quais pertencia:: a azul das Filhas de Maria, a vermelha do Sagrado Coração de Jesus. Abriu seu Missal e de cabeça baixa começou a rezar emitindo os sons que se esperavam dela .Em latim papagaio, é claro. Quando levantou a cabeça, porque não era de ferro e precisava dar conta a si mesmo de todos que estavam ali, foi a primeira surpresa: todos de branco da cabeça aos pés, cobertos por véus. Não conseguiu identificar ninguém dos costumeiros rezantes. Ao olhar para o padre além de ver um desconhecido percebeu que levitava. Assombrada, ficou paralisada. Foi então que ouviu as cinco badaladas do relógio da Igreja marcando as horas e os sinos começarem a tocar chamando para a Missa. No mesmo instante todos desapareceram .Levantou-se de repente correndo em direção a porta da Igreja, mas ainda estava fechada. E só ela lá dentro.Compreendeu que havia assistido a Missa das Almas. Quando ouviu os passos do sacristão que vinha abrir a porta, desmaiou. Contam que nunca mais foi a mesma...
          De outro jeito certamente, porque este jeito de contar é meu, essas e muitas outras histórias estão em um livrinho que Eliana, a moça loura que trabalha comigo prometeu arranjar para mim. Contam que...é assim que se chama o livro e essa foi a primeira história que contamos naquela tarde chuvosa e que anotei em meu caderno para depois recontar ao meu modo. Antes que anoitecesse e os estalidos do velho casarão começassem a nos assustar saímos para um outro destino aproveitado a estiada. Mas em meu caderno suscintamente se encontra escrito pequenos indicadores que me farão lembrar das outras histórias para contar. Do meu jeito, pois já terei esquecido metade das histórias contadas e terei que inventar.