Mantenha a porta fechada
Quando eu saí, na quinta-feira, do trabalho, a minha decisão já estava tomada. Eu ainda não sabia como leva-la a cabo. Mas, por ora, isso não importava muito. Antes de tudo, algumas providências tinham que ser implementadas. O meu coração estava apertado. Era como se eu tivesse carregando um peso enorme nos ombros.
Eu cheguei em casa e organizei todos os meus documentos. Separei numa pasta os mais importantes. Aqueles que a minha esposa precisaria de imediato. Aliás, eu fiz uma faxina completa no meu armário. Ninguém estranhou nada porque eu costumava fazer aquilo com frequência. A minha faxina de armário, aliás, deixava a minha esposa apreensiva. Porque ela sabia: coisas iam desaparecer.
Não fazia muito tempo. Eu havia passado por um estado de depressão profundo. Passei dois dias sem sair da cama, sonhando o mesmo sonho. Um sonho de quarenta e oito horas que só era interrompido quando eu levantava – se dormindo, não sei; se acordado, não sei - , para ir ao banheiro. Depois, o sonho continuava do mesmo ponto. Era um sonho em preto e branco e que me deixava cada vez mais fraco e confuso. Eu não comia nada e já não falava coisa com coisa. Por fim, assustada, a minha esposa chamou um vizinho e eles me levaram para o hospital. O médico disse que era só um esgotamento físico e me encaminhou para o psiquiatra que me receitou um remédio – e eu me recusei a tomá-lo porque a bula dizia que ele provocava alucinações e era justamente do eu queria me livrar. O psiquiatra me encaminhou para o psicólogo. Mas eu não consegui marcar consulta e deixei pra lá. Com o apoio da minha esposa, eu fui me recuperando. E também através de longas conversas com Jesus.
Eu cheguei no trabalho, no dia seguinte, na sexta-feira. Minhas tarefas estavam em dia. Expliquei ao meu colega como estava o meu trabalho e o que precisava ser feito, caso eu não viesse na segunda feira. Inventei que iria participar de uma convenção da empresa, em São Paulo, no fim de semana e ficar em casa, na segunda-feira, descansando. Ele não estranhou porque era normal eu participar das tais convenções de tempo em tempo.
O dia passou mais depressa do que deveria. E nada aconteceu de diferente, a ponto de me fazer recuar daquela decisão. Quando a gente está deprimido, as pessoas parecem não perceber o nosso pedido de socorro. E nem poderiam, porque os suicidas em potencial parecem ser ótimos atores. Conseguem como ninguém esconder seus intentos. É muito difícil deixar escapar os sinais. Quando todos foram embora, ninguém achou estranho eu ficar mais um pouco, porque isso também era normal.
Finalmente eu fiquei só. A angústia preencheu todo o vazio daquele salão imenso, em profundo silêncio. Estava chegando a hora. E um pergunta prática começou a me atormentar: como e onde eu poderia conseguir uma arma para executar o meu propósito? Afinal, o meu serviço não era armado. Então eu pensei no pessoal da segurança. Eu compartilhava o mesmo alojamento, frequentava a mesma sala de estar e o mesmo refeitório. Quem sabe não poderia haver um descuido da parte deles. E aí estaria a minha chance. Escrevi uma longa carta para minha esposa, explicando os motivos que levaram a tomar aquela atitude. E, claro eu fiz uma lista completa das dívidas que eu possuía. Dívidas, por sinal, é um dos campeões de motivos pelos quais uma pessoa resolve dar cabo da própria vida.
Eu não podia ficar ali parado, sofrendo em silêncio. Precisava acabar logo com aquele sofrimento. Já havia passado um bom tempo que o expediente havia acabado. Fui para o alojamento e sentei-me no banco em frente ao meu armário, desolado, triste e totalmente perdido, em meio a turbilhão de pensamentos desordenados. Logo depois, um dos homens da segurança entrou e abriu o seu armário, no mesmo corredor. Despiu a roupa e pendurou o cinto com o coldre e arma na porta do armário e foi tomar banho. Senti uma verdadeira descarga elétrica. Um calafrio medonho perpassou por toda a minha medula. Meus olhos marejaram de lágrimas. Eu senti misto de raiva e medo, ao mesmo tempo que dois seres invisíveis, sobre os armários, lutavam pela minha alma. Eu ouvia claramente o som de suas asas e o tinir das espadas, enquanto eu tentava reunir forças para voltar atrás. Ou melhor, não ir adiante. Eu só não sabia que aquela era apenas a primeira oportunidade.
Levantei depressa e fugi o mais rápido que pude e fui para a sala de estar, que ficava no prédio ao lado. Sentei-me para ver televisão. Estava quase na hora de começar a novela das seis. Outros homens da segurança estavam ali também. Fui para a última fileira e fiquei quieto. Como chegasse a hora do jantar, todos se levantaram e mais uma vez eu fiquei sozinho. Um dos homens deixou também a sua arma no coldre, abandonada no encosto da poltrona. Olhei para todos os lados. Meu corpo tremia de novo e com certeza eu estava pálido e não tinha mais a convicção de deveria cometer aquela insensatez. Aproveitando-me das parcas forças que tinha naquele instante e fugi mais uma vez. Fui jantar. Era a minha segunda oportunidade.
No refeitório, as conversas transcorriam normalmente. Uma piada sem graça aqui e ali. Um ou outro caso de convencimento. Todos ouviam tudo com aparente atenção. Mas todos, na verdade, estavam alheios a tudo. Ninguém se importou de perguntar o que eu estava fazendo ali. É certo que eu provavelmente inventaria uma história qualquer e não diria a verdade. Além do que eu já havia aprendido e me conformado com fato de que as pessoas nunca se importam com problemas dos outros. Presumi, desse modo, que não haveria ninguém para me dizer algo que viesse em meu socorro.
Voltei para a sala de estar para ver televisão. Enquanto a programação transcorria, eu ainda lutava contra eu mesmo, e tentava reunir força suficiente para voltar para casa. Liguei para a portaria e pedi que, caso a minha esposa ligasse, dissessem a ela que eu estava trabalhando e que eu iria para casa assim que pudesse. Na verdade, eu estava pensando em pedir ajuda no hospital, que era próximo. Pediria que o médico me desse um remédio qualquer, talvez uma injeção ou coisa parecida. Algo que me fizesse pelo menos adiar aquela decisão. Mas achei que estaria me expondo demais e eu perderia de vez o controle da situação. Eu teria que dizer a verdade.
Por volta de vinte e uma horas, acontece uma revista de recolher, onde comparecem todos os seguranças, exceto os sentinelas e o rondante. E justamente ele, o rondante, permaneceu no compartimento ao lado. Ele ficou deitado no sofá. Dormia profundamente com a sua arma no coldre e à parte, ao seu lado. Outro calafrio. A terceira oportunidade.
Eu não sabia mais se estava sendo tentado ou provado. Corajoso ou covarde. O fato é que eu estava, mais uma vez, tendo a oportunidade de abrir ou manter fechada a porta que me levaria a morte. Um suposto fim para todos os meus problemas. Uma coisa porém, eu parecia saber: Deus estava comigo.
Continuei sentado na poltrona. Petrificado. Por mais de uma hora. Fiz uma reflexão profunda sobre a minha vida. Derramei minha alma perante Deus. Declarei a minha impotência diante daquela batalha e pedi socorro.
Pensando bem, as minhas dividas não eram tão grandes assim. E eu não tinha problemas que eu não pudesse resolver. Bastava eu equacioná-los e partir para a solução. Uma boa conversa aqui e ali, tudo estaria resolvido. Eu já havia passado por situações piores. Dívidas impagáveis provocadas por outras pessoas. Vou comentar apenas a mais grave delas, sem entrar em detalhes: eu dividia o apartamento com uma pessoa e entregava na mão dela, todos os meses, a minha parte, e não pedia conta. Um ano depois, descobri que ela não entrava com a parte dela e assim acumulou uma dívida de mais de dez vezes o meu salário. Na época, eu estava de casamento marcado. Quase fui despejado e por pouco, não perdi meu casamento e minha carreira.
De repente, eu senti um enorme alívio. Como se um peso gigantesco tivesse sido tirado dos meus ombros. Eu fiquei leve e tranqüilo. Foi um grande refrigério. Fui tomado de uma alegria indescritível. Se Deus estivesse ali em carne e osso, eu poderia abraçá-lo e expressar de forma cabal a minha gratidão. E foi assim que eu me senti. Abraçado por Deus. Não havia ninguém na sala de estar. Era um momento só meu e dele.
Ergui-me confiante da poltrona e fui para casa. Prometi para Deus e para eu mesmo jamais tocar naquela porta. Posto que seria escândalo, não seria o primeiro caso de suicido na empresa. Muitos deram cabo da vida por motivos banais. Embora não o fossem na visão deles. Pra citar somente um, vou contar o caso do rapaz da segurança que fora escalado indevidamente para o serviço. Ele estava com febre há dias e por isso tinha dispensa médica. No dia do serviço, ele compareceu e avisou o supervisor e pediu para ser liberado. O supervisor, no entanto, ignorou o seu pedido e o obrigou a tirar o serviço. Juntou-se a isso o fato de que a namorada estava grávida e a família dela ainda não sabia e, além de pequenas dívidas, ele estava atormentado com a idéia de um aborto. Próximo da meia noite, aquele rapaz posicionou a arma sob o queixo e atirou. Ao lado do seu corpo jazia, gotejado de sangue, um bilhete para a namorada, e que também expressava a sua mágoa contra o supervisor.
Aquele rapaz era uma pessoa calma, do meu convívio diário. Ninguém suspeitava de nada. Ele não dividiu seu problema nem com os companheiros mais próximos. Ninguém poderia imaginar que ao chegar, na segunda-feira, para o trabalho encontraríamos aquela tragédia.
Eu sabia que teria que enfrentar o que pra mim era uma miríade de problemas, mas estava aliviado por estar vivo e me sentido capaz de resolvê-los, como de fato aconteceu. Desde então, estou convicto de que por maior que seja o problema sempre será possível superá-lo. Por maior que seja o motivo, ele sempre será um motivo fútil e nada justificará alguém tirar a própria vida.
Divida seu problema com alguém. Se ninguém lhe ouvir, Deus ouvirá. Se alguém lhe ouvir, não faça nada, antes de ouvir o conselho de Deus. Uma coisa você pode ter certeza: enquanto você escolher a vida, Deus será contigo. Tenha sempre bom ânimo. Se você escolher a morte, esta é uma decisão só sua. Pois, na vida, todo momento é momento decisão. E toda hora, a todo instante há sempre sempre porta para ser aberta. Entretanto, com respeito aquela que leva à morte, a decisão mais inteligente será sempre esta: MANTENHA A PORTA FECHADA!
Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.
Quando eu saí, na quinta-feira, do trabalho, a minha decisão já estava tomada. Eu ainda não sabia como leva-la a cabo. Mas, por ora, isso não importava muito. Antes de tudo, algumas providências tinham que ser implementadas. O meu coração estava apertado. Era como se eu tivesse carregando um peso enorme nos ombros.
Eu cheguei em casa e organizei todos os meus documentos. Separei numa pasta os mais importantes. Aqueles que a minha esposa precisaria de imediato. Aliás, eu fiz uma faxina completa no meu armário. Ninguém estranhou nada porque eu costumava fazer aquilo com frequência. A minha faxina de armário, aliás, deixava a minha esposa apreensiva. Porque ela sabia: coisas iam desaparecer.
Não fazia muito tempo. Eu havia passado por um estado de depressão profundo. Passei dois dias sem sair da cama, sonhando o mesmo sonho. Um sonho de quarenta e oito horas que só era interrompido quando eu levantava – se dormindo, não sei; se acordado, não sei - , para ir ao banheiro. Depois, o sonho continuava do mesmo ponto. Era um sonho em preto e branco e que me deixava cada vez mais fraco e confuso. Eu não comia nada e já não falava coisa com coisa. Por fim, assustada, a minha esposa chamou um vizinho e eles me levaram para o hospital. O médico disse que era só um esgotamento físico e me encaminhou para o psiquiatra que me receitou um remédio – e eu me recusei a tomá-lo porque a bula dizia que ele provocava alucinações e era justamente do eu queria me livrar. O psiquiatra me encaminhou para o psicólogo. Mas eu não consegui marcar consulta e deixei pra lá. Com o apoio da minha esposa, eu fui me recuperando. E também através de longas conversas com Jesus.
Eu cheguei no trabalho, no dia seguinte, na sexta-feira. Minhas tarefas estavam em dia. Expliquei ao meu colega como estava o meu trabalho e o que precisava ser feito, caso eu não viesse na segunda feira. Inventei que iria participar de uma convenção da empresa, em São Paulo, no fim de semana e ficar em casa, na segunda-feira, descansando. Ele não estranhou porque era normal eu participar das tais convenções de tempo em tempo.
O dia passou mais depressa do que deveria. E nada aconteceu de diferente, a ponto de me fazer recuar daquela decisão. Quando a gente está deprimido, as pessoas parecem não perceber o nosso pedido de socorro. E nem poderiam, porque os suicidas em potencial parecem ser ótimos atores. Conseguem como ninguém esconder seus intentos. É muito difícil deixar escapar os sinais. Quando todos foram embora, ninguém achou estranho eu ficar mais um pouco, porque isso também era normal.
Finalmente eu fiquei só. A angústia preencheu todo o vazio daquele salão imenso, em profundo silêncio. Estava chegando a hora. E um pergunta prática começou a me atormentar: como e onde eu poderia conseguir uma arma para executar o meu propósito? Afinal, o meu serviço não era armado. Então eu pensei no pessoal da segurança. Eu compartilhava o mesmo alojamento, frequentava a mesma sala de estar e o mesmo refeitório. Quem sabe não poderia haver um descuido da parte deles. E aí estaria a minha chance. Escrevi uma longa carta para minha esposa, explicando os motivos que levaram a tomar aquela atitude. E, claro eu fiz uma lista completa das dívidas que eu possuía. Dívidas, por sinal, é um dos campeões de motivos pelos quais uma pessoa resolve dar cabo da própria vida.
Eu não podia ficar ali parado, sofrendo em silêncio. Precisava acabar logo com aquele sofrimento. Já havia passado um bom tempo que o expediente havia acabado. Fui para o alojamento e sentei-me no banco em frente ao meu armário, desolado, triste e totalmente perdido, em meio a turbilhão de pensamentos desordenados. Logo depois, um dos homens da segurança entrou e abriu o seu armário, no mesmo corredor. Despiu a roupa e pendurou o cinto com o coldre e arma na porta do armário e foi tomar banho. Senti uma verdadeira descarga elétrica. Um calafrio medonho perpassou por toda a minha medula. Meus olhos marejaram de lágrimas. Eu senti misto de raiva e medo, ao mesmo tempo que dois seres invisíveis, sobre os armários, lutavam pela minha alma. Eu ouvia claramente o som de suas asas e o tinir das espadas, enquanto eu tentava reunir forças para voltar atrás. Ou melhor, não ir adiante. Eu só não sabia que aquela era apenas a primeira oportunidade.
Levantei depressa e fugi o mais rápido que pude e fui para a sala de estar, que ficava no prédio ao lado. Sentei-me para ver televisão. Estava quase na hora de começar a novela das seis. Outros homens da segurança estavam ali também. Fui para a última fileira e fiquei quieto. Como chegasse a hora do jantar, todos se levantaram e mais uma vez eu fiquei sozinho. Um dos homens deixou também a sua arma no coldre, abandonada no encosto da poltrona. Olhei para todos os lados. Meu corpo tremia de novo e com certeza eu estava pálido e não tinha mais a convicção de deveria cometer aquela insensatez. Aproveitando-me das parcas forças que tinha naquele instante e fugi mais uma vez. Fui jantar. Era a minha segunda oportunidade.
No refeitório, as conversas transcorriam normalmente. Uma piada sem graça aqui e ali. Um ou outro caso de convencimento. Todos ouviam tudo com aparente atenção. Mas todos, na verdade, estavam alheios a tudo. Ninguém se importou de perguntar o que eu estava fazendo ali. É certo que eu provavelmente inventaria uma história qualquer e não diria a verdade. Além do que eu já havia aprendido e me conformado com fato de que as pessoas nunca se importam com problemas dos outros. Presumi, desse modo, que não haveria ninguém para me dizer algo que viesse em meu socorro.
Voltei para a sala de estar para ver televisão. Enquanto a programação transcorria, eu ainda lutava contra eu mesmo, e tentava reunir força suficiente para voltar para casa. Liguei para a portaria e pedi que, caso a minha esposa ligasse, dissessem a ela que eu estava trabalhando e que eu iria para casa assim que pudesse. Na verdade, eu estava pensando em pedir ajuda no hospital, que era próximo. Pediria que o médico me desse um remédio qualquer, talvez uma injeção ou coisa parecida. Algo que me fizesse pelo menos adiar aquela decisão. Mas achei que estaria me expondo demais e eu perderia de vez o controle da situação. Eu teria que dizer a verdade.
Por volta de vinte e uma horas, acontece uma revista de recolher, onde comparecem todos os seguranças, exceto os sentinelas e o rondante. E justamente ele, o rondante, permaneceu no compartimento ao lado. Ele ficou deitado no sofá. Dormia profundamente com a sua arma no coldre e à parte, ao seu lado. Outro calafrio. A terceira oportunidade.
Eu não sabia mais se estava sendo tentado ou provado. Corajoso ou covarde. O fato é que eu estava, mais uma vez, tendo a oportunidade de abrir ou manter fechada a porta que me levaria a morte. Um suposto fim para todos os meus problemas. Uma coisa porém, eu parecia saber: Deus estava comigo.
Continuei sentado na poltrona. Petrificado. Por mais de uma hora. Fiz uma reflexão profunda sobre a minha vida. Derramei minha alma perante Deus. Declarei a minha impotência diante daquela batalha e pedi socorro.
Pensando bem, as minhas dividas não eram tão grandes assim. E eu não tinha problemas que eu não pudesse resolver. Bastava eu equacioná-los e partir para a solução. Uma boa conversa aqui e ali, tudo estaria resolvido. Eu já havia passado por situações piores. Dívidas impagáveis provocadas por outras pessoas. Vou comentar apenas a mais grave delas, sem entrar em detalhes: eu dividia o apartamento com uma pessoa e entregava na mão dela, todos os meses, a minha parte, e não pedia conta. Um ano depois, descobri que ela não entrava com a parte dela e assim acumulou uma dívida de mais de dez vezes o meu salário. Na época, eu estava de casamento marcado. Quase fui despejado e por pouco, não perdi meu casamento e minha carreira.
De repente, eu senti um enorme alívio. Como se um peso gigantesco tivesse sido tirado dos meus ombros. Eu fiquei leve e tranqüilo. Foi um grande refrigério. Fui tomado de uma alegria indescritível. Se Deus estivesse ali em carne e osso, eu poderia abraçá-lo e expressar de forma cabal a minha gratidão. E foi assim que eu me senti. Abraçado por Deus. Não havia ninguém na sala de estar. Era um momento só meu e dele.
Ergui-me confiante da poltrona e fui para casa. Prometi para Deus e para eu mesmo jamais tocar naquela porta. Posto que seria escândalo, não seria o primeiro caso de suicido na empresa. Muitos deram cabo da vida por motivos banais. Embora não o fossem na visão deles. Pra citar somente um, vou contar o caso do rapaz da segurança que fora escalado indevidamente para o serviço. Ele estava com febre há dias e por isso tinha dispensa médica. No dia do serviço, ele compareceu e avisou o supervisor e pediu para ser liberado. O supervisor, no entanto, ignorou o seu pedido e o obrigou a tirar o serviço. Juntou-se a isso o fato de que a namorada estava grávida e a família dela ainda não sabia e, além de pequenas dívidas, ele estava atormentado com a idéia de um aborto. Próximo da meia noite, aquele rapaz posicionou a arma sob o queixo e atirou. Ao lado do seu corpo jazia, gotejado de sangue, um bilhete para a namorada, e que também expressava a sua mágoa contra o supervisor.
Aquele rapaz era uma pessoa calma, do meu convívio diário. Ninguém suspeitava de nada. Ele não dividiu seu problema nem com os companheiros mais próximos. Ninguém poderia imaginar que ao chegar, na segunda-feira, para o trabalho encontraríamos aquela tragédia.
Eu sabia que teria que enfrentar o que pra mim era uma miríade de problemas, mas estava aliviado por estar vivo e me sentido capaz de resolvê-los, como de fato aconteceu. Desde então, estou convicto de que por maior que seja o problema sempre será possível superá-lo. Por maior que seja o motivo, ele sempre será um motivo fútil e nada justificará alguém tirar a própria vida.
Divida seu problema com alguém. Se ninguém lhe ouvir, Deus ouvirá. Se alguém lhe ouvir, não faça nada, antes de ouvir o conselho de Deus. Uma coisa você pode ter certeza: enquanto você escolher a vida, Deus será contigo. Tenha sempre bom ânimo. Se você escolher a morte, esta é uma decisão só sua. Pois, na vida, todo momento é momento decisão. E toda hora, a todo instante há sempre sempre porta para ser aberta. Entretanto, com respeito aquela que leva à morte, a decisão mais inteligente será sempre esta: MANTENHA A PORTA FECHADA!
Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.