Roubam-me o meu mar! 

     1. 
Eis que, aos pouco, estão roubando o meu mar!  Não basta o que já fizeram com a minha orla?  Falta pouco para que ela se transforme numa imensa e fétida favela. Muito pouco, mesmo. 
     2. 
Dezenas de barracas (algumas de alvenaria) invadem desordenada e criminosamente as praias de Salavador. E a nesga de areia que sobra pro miserável e indefeso banhista pode, de repente, estar contaminada. Os turistas que se acautelem. 
     3. Levei, dia desses, minha neta para um banho de mar. E lá pras tantas, ela apareceu-me com um garfo que encontrara em uma porcinha, a poucos metros de uma dessas miseráveis barracas.  Isso quando não se mergulha por entre preservativos usados na calada da noite de ontem.
     4. Afronta-se, desta maneira, a beleza das praias balneárias de Salvador e dou dois exemplos: a praia de Patamares e a praia de Itapuã.  Sem esquecer as praias da cidade baixa, igualmente loteadas e devastadas.
     5. Mas eu dizia que estão roubando o meu mar, o lindo mar da Pituba.  Por essas bandas já moro, há mais de vinte anos.
     6. Quando cheguei por aqui, da minha imensa varanda eu tinha diante dos meus olhos e a alimentar minhas fantasias um imenso Atlântico: o inconfundível e misterioso mar da Bahia, de um azul profundo; quase mediterrânico... Sim, porque mais azul, só vi o mar Egeu. 
     7. Sobre as águas do mar Egeu, ouvindo estórias de Poseidon, eu naveguei, - que momentos felizes! -, quando um dia vadiei pelas formosas ilhas da lendária Grécia.
     8. Admirei-o, demoradamente, do alto do Cabo Sunion, onde Poseidon (ou Netuno) construiu seu belo templo. Nada, absolutamente nada, impedia-me de vê-lo, em toda sua milenar grandeza.
     9. Muito bem. Chega neste instante às minhas mãos, trazido por Ivone, um Guia de Imóveis, noticiando que mais um descomunal edifício aflora do santo chão da Pituba.
    E faz ela esta observação: - "Veja, mais um espigão deverá roubar seu mar!"  Olhei. E completei: o meu mar e o meu nascente.
     10. Isso mesmo, o novo prédio, depois de pronto, não bastasse me tirar o meu mar, vai ocupar, também, uma considerável parte do meu nascente; impedindo-me, por exemplo, de ver os navios despedindo-se de Salvador, sumindo, lentamente, na linha do horizonte.
     11. E, sem dúvida, o pior: não mais me deixará ver o sol e a lua nascerem. Ó Poseidon! vê se dá um jeito nisso...
             


             

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/02/2009
Reeditado em 24/09/2019
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