Saudade dos velhos tempos
Foi um momento incrível. Carros passando, muito barulho nas ruas, crianças conversando, brincando e chorando. Não era daquelas mais modernas com flashes e rebobinamento automáticos, mas podíamos registrar os melhores momentos com a pequena câmera fotográfica que meu pais recém haviam comprado. Restavam 33 poses, pois meu pai estava muito ansioso para tirar fotos que acabou gastando três à toa. Nunca tinha ido em um zoológico, ainda mais com uma câmera. Era um momento sensacional. As outras crianças passavam na rua e admiravam o objeto escuro nas mãos de meu pai. Eu, é claro, aproveitava para fazer um pouco de inveja. “Olha papai, a girafa, tira uma foto dela” – gritava para todos ouvirem que o meu pai possuía uma câmera. Ficava encantado com o barulho do filme girando, preparando-se para mais uma foto. Eis que meu irmão sentiu vontade de ir ao banheiro. “Essas horas?” – retrucou a minha mãe. Coitada, até ela estava encantada com a máquina. Queria tirar foto de tudo, árvores, bichos, pessoas, mas foto dela nem pensar. Ah se meu pai me desse aquela máquina nas mãos. Fotografaria tudo. E assim foi. Meu pai entregou a máquina nas mãos da minha mãe e levou meu irmão para fazer um “xixizinho” atrás de alguma árvore. Apenas com um descuido da minha mãe e pronto! A câmera era minha. Sempre fui fascinado por essas modernidades do século, e não demorou menos de dois minutos e já sabia fazer quase tudo com a máquina. Fui pé ante pé até chegar onde meu irmão estava. Apenas disse: “Olha o passarinho!” e Flash! Uma luz saiu da máquina registrando a cara de assustado do meu irmão e meu pai rindo. Claro que ele ficou uma fera, mas logo viu que não adiantava. Algumas semanas depois e meu pai traz as fotos todas reveladas e lá estava, entre tantas outras, a do meu irmão urinando atrás da árvore.
A máquina não existe, porém a foto é a mais vista e quando chega algum parente em casa, é sagrado o ritual de sentarmos no sofá e rever as fotos, inclusive a do meu irmão. Ou aquela em que minha avó vai batizar, ainda o mesmo irmão, e imaginando como a água estava gelada faz uma careta registrada pelos flashes.
Que saudade daqueles velhos tempos! Já não há emoção em rir das fotos, em que saímos de olhos fechados ou fazendo aquela terrível careta. Esperávamos ansiosos a revelação, e até ficávamos com raiva quando uma delas queimava. Hoje o ritual é outro. Tira a foto, se não gostou apaga. A família ainda se reúne para vê-las, mas agora o papel é outro, a televisão, porque o costume de revelar-se já se foi a muito. Espero que daqui alguns anos ainda possa sentar com meus filhos e rever momentos passados sem ter que ficar gritando para eles saírem de dentro da televisão.