Pequenas Lembranças

As manhãs de domingo eram agradáveis naquela remota cidadezinha do interior da Bahia, onde passei minha infância. Meu pai gostava de receber seus amigos para uma cervejinha antes do almoço, prosear, contar e ouvir novidades, dar boas risadas, pois isto ajudava a passar o tempo numa cidade onde quase nada acontecia. Seus companheiros de prosas mais constantes eram o padre e o pastor presbiteriano da cidade. Vinham religiosamente todo domingo, não só pela prosa divertida, mas, também pelo doce de leite que minha mãe, excelente senhora, nunca deixava faltar (que era de se comer rezando). Meu pai já era ecumênico,antes desta palavra virar moda.  Neste dia, estavam discutindo as vantagens da doutrina de cada um e qual credo era mais eficiente para levar os pobres mortais até o Céu, depois do desenlace, é claro. Cada um falava mais enfaticamente da sua crença; quem venceria o Papa ou Lutero? O padre, muito vermelho e dogmático, o pastor falando alto, seu vozeirão enchendo a sala; meu pai, a tudo assistia, com um riso divertido no canto da boca, até que se saiu com esta: meus amigos se acalmem, pois, quando a gente morre fica mais longe do Céu sete palmos.

 
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 17/02/2009
Código do texto: T1443573
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