Histórias de um Início.
Nasci no Brasil, na capital Pernambucana. Quando nasci, estava em plena Segunda Guerra Mundial. Tudo era difícil. O nosso país sofria as conseqüências de uma grande Guerra. Minha família resolveu se mudar para a cidade do Recife, pois no interior tudo era mais difícil.
Eu era muito pequena e não lembro da viagem, mas meus pais contavam que tudo era precário. A viagem era longa, exaustiva, e na maioria das vezes eles tiveram de fazer parte da viagem a pé.
Meus pais analfabetos como a maioria das pessoas daquela época, mas eram todos brasileiros que não temiam o trabalho e com a força desses homens e mulheres o nosso país recebeu a contribuição necessária que hoje as novas gerações usufruem sem muito esforço.
Quando chegamos à cidade grande, tivemos que deixar para trás toda uma história de vida. Tudo era diferente: Clima, costumes, educação, a maneira de vestir, de falar, de andar. Já que no interior andávamos dentro do mato, descalços; bebíamos água nos riachos ou em açudes ou barreiros; não tínhamos sanitários, fazíamos nossas necessidades no mato mesmo. E como papel higiênico, usávamos folha de mato ou uma vara tirada de um pé de mato próximo. Sempre havia uma onde podíamos fazer uso.
As escolas eram poucas, e muitos pais não mandavam os filhos estudarem, pois cada mão de obra era bem vinda no intuito de aumentar a renda. Criava-se porco, galinha, pato, cavalo, jumento, guiné, codorna, coelho, cabra, vaca, etc. Tudo era meio de se ganhar dinheiro, já que naquela época emprego com carteira assinada era algo raro e só as pessoas letradas tinham acesso a eles.
Não tínhamos móveis como se conhece hoje. O que tínhamos era rede, ou camas de lona. Como armário, usávamos caixote de tomate que pegávamos nas feiras. Fogão era à lenha ou de carvão. A iluminação era à base do famoso candeeiro e todos dormiam cedo, por volta das 18 horas, e acordávamos às cinco da manhã. Nosso relógio era o canto do galo ou o vozeirão do jumento anunciando às horas. Café da manhã era bolo de milho com leite de cabra ou de vaca. Pão não entrava na nossa mesa. Raramente podíamos comer bolachas. Doce era feito em casa, ou quando o dinheiro dava comprávamos quando o vendedor passava com uma gaita proclamando o gostoso japonês, um doce caseiro, cuja receita não era passada à frente, e os que sabiam fazer, colocavam num tabuleiro de latão, dividido em três partes: o de goiaba, de batata-doce e o de coco. Esse é até hoje um dos meus doces preferidos e que em minha opinião de sabor incomparável.
O ferro de engomar era de ferro mesmo, pesado. Havia uma abertura no fundo onde se colocava as brasas e quando estava no ponto, passávamos as roupas, que na maioria das vezes eram brancas. Os tecidos mais comuns eram: de algodão, cambraia e tergal. Era difícil vestir toda a família. Não tínhamos máquina de costura, a costura era feita, peça por peça à mão. Fazíamos enxoval, com bordado e tudo mais. Cada moça antes de casar, preparava seu enxoval com muita antecedência. Depois quando vinham os filhos, todo enxoval do bebê era feito à mão, e passava do primeiro filho até enquanto durasse, e geralmente chegava à outra geração, quase novinho, pois tínhamos zelo em tudo. Valorizávamos mais às coisas, pois sabíamos o quanto nos tinham custado em tempo, trabalho e dinheiro.
Hoje as coisas são mais fáceis, mas as pessoas não aparentam ter a tranqüilidade que tínhamos e não usufruem com prazer daquilo que têm. Por exemplo: não tínhamos brinquedo comprado em loja, mas de qualquer coisa fazíamos um. O que não faltava era imaginação e criatividade. As crianças brincavam mais, e sempre ao ar livre, ao em dias de chuva é que os pequeninos ficavam dentro de casa. As brincadeiras dentro de casa eram: bingo, quebra-cabeça, pega-vareta, dama, boneca, brincar de escolinha, desenhar, costurar roupas para as bonecas, fazer desenhos com cordão preso aos dedos, etc. Os pais não permitiam que os filhos brincassem com armas, geralmente menino brincava com menino e menina com menina; Raramente brigávamos. E se acontecia uma desavença, era logo desfeita porque os pais não permitiam que seus filhos brigassem. Todos deveriam ser unidos, se não a brincadeira era desfeita e ficávamos de castigo por ¨não saber brincar¨.
Não tive acesso à televisão, e quando pela primeira vez me vi de frente àquele aparelho brilhoso já era adulta. Meu aparelho preferido era o rádio, e naquela época era o meio de comunicação mais acessível ao pobre. Como não havia eletricidade na maioria das casas, o rádio funcionava com pilhas, e esse era o motivo de ter hora certa para ficar com ele ligado. Era pela manhã, à tarde na hora da novela, e no início da noite, onde os mais velhos gostavam de ouvir à Voz do Brasil. Esse programa era em rede nacional, e quando chegava a hora dele entrar, todos os outros saiam do ar. Era uma hora solene. Tudo que acontecia no Brasil, e que era interesse dos brasileiros passava nesse programa. Quaisquer pronunciamentos do Presidente ou do Senado, da Câmara de deputados, eram transmitidos nesse horário, por volta das sete horas da noite. Os pais pediam silêncio, isso é se houvesse criança acordada, pois era normal ao entrar numa casa à noite, encontrarmos apenas os mais velhos acordados. Por sinal, raramente se saia à noite de casa, só em caso de extrema necessidade.
Casei cedo. Por volta de dezesseis anos já era mãe. Tive doze filhos. Nem todos vingaram. Hoje, décadas depois, olho pra trás e vejo que fui feliz com o pouco que tive.
Cuidei dos meus filhos da mesma forma que fui tratada, ou seja, quando ficavam doentes se era tosse usava lambedor, se era verme usava leite de cabra com mastruz pisado, no dia seguinte a criançada colocava um montão de verme, e pronto. Se tivéssemos dinheiro como vitamina, comprávamos Biotônico Fontoura e o famoso Calcigenol; e caso não pudéssemos, usávamos o suco de laranja com tomate, ou beterraba com cenoura para vencer a anemia. Pra tirar um doente da cama usávamos o famoso mingau de cachorro, que era feito da seguinte maneira: pisávamos a pimenta-do-reino e o alho, colocávamos numa panela com um pouco dágua e quando fervia acrescentávamos a farinha de mandioca. Depois de frio enfiávamos goela abaixo das crianças( que por sinal não suportavam esse medicamento), e os adultos tomavam mesmo fazendo careta, mas era tiro e queda, poucos dias depois o doente levantava pra passar um tempão sem adoecer.
As coisas mudaram. Hoje me parece que todo mundo tem pressa. Só não sei pra quê. Mas dizem que os velhos não sabem de nada e que nosso tempo ficou para trás, que de lá nada se pode aproveitar.
Sei não. O tempo agora é bom em algumas coisas, mas em outras deixa a desejar. Que os mais moços aproveitem bem o tempo de hoje, porque quem sabe amanhã ficarão como eu, saudosistas e melosos à espera de outros ouvidos que tenham as mesmas recordações que hoje me fazem sonhar com o passado.