Cooper no domingo
Jurei nunca mais cronicar (neologismo?).Mas resistir "quem há de"?
Recomecei minhas caminhadas matinais.Mais por motivos de saúde que de estética.
Aí, então, entra a lente do cronista. O que fazer? Cronista é assim, capta o mais insignificante e óbvio detalhe do cotidiano.Também coisas inusitadas.
Não acordo muito cedo.Às seis da manhã, inicio minha caminhada que é, razoavelmente, curta.Na avenida, observei uma veradeira violência ecológica:derrubaram várias amendoeiras de muitas décadas e também palmeiras que compunham o jardim paralelo à rodovia.Vê-se que estão renovando esse jardim e prossegue a formação da parte que falta, aliás, essa, em proporção bem maior. Isso é bom! Entretanto, por que cortar as árvores? Por que não apenas podá-las? Numa cidade de temperatura elevada, de sol causticante, sombras que minimizam essas características são desprezadas? É um absurdo! E não justifiquem culpando a rede elétrica! É um problema que pode ser solucionado com a poda das árvores. A não ser que haja outro motivo muito sério que se possa argumentar essa derrubada.
Atravessei o local penalizada com o que vi e eis que me vem ao encontro um jovem bêbado, serpenteando, ziguezagueando pelas calçadas.Felizmente não me perturbou. Andava como um autômato.Atravessou a rua, enfrentando os ônibus que já circulavam àquela hora. Nei sei como não foi atropelado. Tão jovem! Aparentava uns dezesseis ou dezessete anos. De porre e solitário!
Mais adiante, dois rapazes andavam conversando e rindo alto. Certamente comentavam a noitada. Um deles, de blusão vermelho, estava descalço, segurando as botas na mão.
De repente, ouço vozes alteradas num bar. Dois homens discutiam. Provavelmente, vítimas também de um porre. Alguém (suponho que o dono do ambiente) os olhava com ar reprovador, porém, precavido, não ousou dirigir-lhes a palavra.
Noutro bar, três homens beberam o último gole e chamaram o garçon que se aproximou com ar de sono. A garçonete dava os últimos retoques no local, preparando-o para ser fechado. Todos eles vararam a noite. O raiar da aurora intimidava aqueles fregueses notívagos e encontava o cansaço estampado na face dos funcionários da casa. Enfim, os farristas entraram num carro que partiu, rangendo os pneus. Parecendo aliviado, um garçon fechou o portão e pôs um cadeado.
Regressei, pensando em tudo isso que são ossos do ofício para o caminhante das manhãs de domingo (à exceção de ver sempre árvores destruídas!). Próximo a minha rua, ouvi, em alto volume, os primeiros acordes de uma música na voz gravada por Nilton César (sucesso da década 60):"À Índia, fui em férias passear..." É isso aí. Tem gente que escolhe o domingo pra mexer no baú (que não é do Raul) de discos(vinil ainda?) às primeiras horas da matina.
Ah, espante-se!Esse texto é datado de 27/5/97, portanto,
também remexi hoje no meu baú!