Quatro décadas depois

Dizem os doutrinadores e os grandes juristas que é um equivoco avaliar julgamentos do passado baseados em valores do presente e até citam o exemplo clássico de um caso de sedução julgado na década de sessenta em projeção com o modo como seria julgado esse mesmo caso frente aos valores contemporâneos. Evidentemente que seriam valorados de maneira diversa.

Mas o que dizer em relação a crimes mais graves como, por exemplo, o homicídio, a ocultação de cadáver e a tortura. E se esses crimes tivessem sido praticados pelo próprio Estado. E se as vítimas desses crimes fossem militantes políticos, alguns extremistas que recorreram à luta armada . Como seria o julgamento nos dias atuais ?

Esses questionamentos não apenas se afiguram oportunos como diria que são imperiosos e pauta impositiva , sobretudo diante da enorme repercussão na mídia mundial do caso do italiano Cesare Battisti, tratado como terrorista na Itália e asilado no Brasil. Comemoramos recentemente por aqui – é bom relembrar - o aniversário de 40 (quarenta) anos de edição do famigerado AI-5, o Ato Institucional nº 5, por muitos considerados o maior símbolo da Ditadura Militar.

Com base nesse Ato Institucional o Governo Militar promoveu as mais sórdidas ações contra a cidadania e atingiu até quem estava investido legitimamente nos poderes de estado. Desde Juízes de Direito, passando por Vereadores - Prefeitos - Deputados e até governadores foram incluídos em listas de cassação – perdiam seus mandatos e eram afastados de suas funções num simples ato de arrogância do Príncipe.

As prisões arbitrárias – a tortura – o desaparecimento de pessoas, muitos dos quais perduram até os dias de hoje tem neste dezembro a triste marca da comemoração dos quarenta anos. Um período em que , como nunca antes na história do Brasil , houve tanta ingerência externa , a tal ponto da CIA (agência norte-americana de inteligência) manter seus arapongas trabalhando dentro das corporações estatais de repressão.

Um desses agentes estrangeiros era Daniel Mitrione , mais conhecido como “Dan Mitrione” , o qual sob rótulo de “policial” americano em colaboração com as polícias brasileiras veio dar “treinamentos” que em verdade nada mais eram do que técnicas de tortura e obtenção de confissões por meios violentos. Atuando durante muito tempo em Belo Horizonte, o araponga americano chegou a ser condecorado e ganhou nome de rua na capital mineira , disparate que foi revogado com o fim da ditadura militar.

Depois de haver ensinado suas técnicas aos servidores da ditadura militar, Dan Mitrione foi transferido para Montevidéu a fim de dar o mesmo treinamento às forças repressivas uruguaias . Teve a infelicidade de ser capturado pelo “MLN Tupamaros” e foi sumariamente executado pelos guerrilheiros da banda oriental que não perdoaram seu passado e sem nenhuma clemência o condenaram à morte.

Quarenta anos se passaram e hoje o Brasil e o continente americano vivem um outro momento, porém, ainda não logramos uma sociedade pacificada e socialmente equilibrada e se isso é uma inexorável constatação, pior ainda é ter de afirmar que não chegamos tampouco ao desejável estágio de possuir uma estrutura consistente de um estado justo e perfeito, capaz de assegurar a seus filhos dias melhores e o entoado berço esplêndido .

Quatro décadas depois que nos reste, pelo menos o registro para a história – e peço vênia para dedicar esta crônica a todos os que se envolveram no processo e, sobretudo, “in memoriam” a meu pai Oscar Fontoura Chaves e a seu longo exílio no Uruguai.