“A crônica de uma sociedade sem sentimentos”

Introdução: “A crônica de uma sociedade sem sentimentos”

O que narrarei a seguir foi um acontecido que presenciei e vivi e, por mais que pareça besta ou que pareça o cúmulo das contradições, peço que nunca afastem do pensamento que o que narrarei realmente aconteceu e peço que ponham em cheque minha curta carreira de escritor se o que digo for mentira. Talvez a essa altura você que está lendo deva estar se perguntando o que tanto ele quer narrar que precisa de tanta clareza da veracidade que de fato ocorreu? ; não enrolando mais, até porque a essa altura me falta mais elementos que possa acrescentar como elementos explicativos do texto que narrarei a seguir, parto agora para o texto que, como já adiantei acima, chamarei de “a crônica de uma sociedade sem sentimentos”.

A “crônica” de uma sociedade sem sentimentos

Vinha de um dia de trabalho e, após esperar meia hora no ponto e ter visto dois dos ônibus que serviriam pra chegar até em casa passarem por mim alheios aos meus acenos e de todos os outros que estavam no ponto, finalmente peguei o terceiro e como sempre transbordante ônibus de cores verde e amarelo como a cor da flâmula de nossa pátria. Quando entrei naquele ônibus, no qual rompo os últimos raios de sol e aceno para os primeiros minutos da noite, assim como faço outros quatro dias na semana, eu estava chegando próximo ao fim de um dia que tinha começado bastante conturbado para mim.

Na manhã daquela quinta-feira, a qual já adiantei que foi bastante atribulada, acordei com dores terríveis no punho da mão esquerda que foram adquiridas graças aos meus poucos talentos com o futebol e, não tendo outra solução, acabei tendo que engessar o braço. Saindo do médico onde tive que esperar 3 horas para ser atendido, cheguei em casa e acabei tendo que, como quase sempre faço, almoçar em 5 minutos e sair correndo para uma viagem que separa onde eu moro de onde trabalho por uma hora e meia e que a certa altura foi marcada por uma discussão entre o motorista e uma passageira e que teve seu ápice em gritos e xingamentos de ambas as partes.

Cheguei atrasado ao trabalho, mas como ainda estou em treinamento e a aula ainda não tinha começado, não foi percebido, ou pelo menos reclamado, o meu atraso, sendo para alguns colegas que vieram ao meu encontro muito mais notável a tala que envolvia o meu braço, que alguns comentaram com frases como “cadê esse atestado pra matar dia de trabalho?” ou “isso de engessar é exagero! Você não está sentindo nada!”.

O decorrer de minha jornada de trabalho que seria de cinco horas, mas que com o meu atraso acabou reduzida a quatro horas e meia, f oi bastante proveitosa e tivemos uma confraternização com todos os colegas ao final de uma aula de treinamento onde mais uma vez uma nova professora nos ensinou que devemos atender o usuário dos nossos serviços com respeito, paciência e cordialidade. Karl Marx dizia que a prática é o critério da verdade e, partindo das poucas, porém sábias palavras de Marx, talvez o que aprendemos seja uma grande mentira, já que naqueles mesmos corredores onde aprendemos a conduta pautada pela retidão de caráter e cordialidade ao lidar com o outro, somos vítimas de uma coordenadora que na prática se faz contradição da teoria que passa, ao lidar com todos aos gritos e sem respeitar os turnos de conversação.

Assim como comecei, agora me encaminho para o fim dessa simples, porém conclusiva tradução do que ocorre com a nossa sociedade e com os nossos valores. Talvez Freud esteja errado e nunca saiamos do mundo onde o nosso EGO, aquele onde nós somos o centro do mundo pra nós mesmos, e que deveria ser extinto aos três anos de idade.

Após esperar muito pelo ônibus para voltar para casa finalmente consegui pegá-lo. Entrei e após conseguir conciliar um braço enfaixado e uma mochila com um ônibus completamente cheio e, além disso, os trancos, buracos e curvas de uma estrada complicada, finalmente consegui chegar à parte mais anterior do mesmo ônibus munido da esperança de alcançar algum passageiro que estivesse prestes a descer no próximo ponto. Esperei um lugar que não apareceu, talvez a minha espera tenha sido munida da esperança que acho que ainda tenho e que a cada dia desce pelo ralo pelo que vejo e vi nesse ônibus, que foi pra mim o ápice deste dia, mas que não findou ainda a esperança que tenho de que talvez um dia sejamos melhor.

Ao chegar à frente daquele coletivo que possuía a bandeira Ribeira/ São Joaquim pude perceber os olhares daqueles que estavam sentados, uns não dados, uns desviados, outros fingidos não ser dados para talvez não trazer com ele uma atitude que culminasse em perda ou cessão do lugar para aquele cara que estava com um braço enfaixado e o outro equilibrando todo o corpo na alça que fica dependurada no teto do veículo.

Parei em pé no corredor do ônibus ao lado de uma mulher sentada que parecia bastante entretida na leitura de um livro e por um bom momento tentei capturar como era seu rosto, o que em vão surtiu efeito pois seu rosto estava quase que imbricadamente colado às paginas daquele livro. Não conseguindo ver seu rosto e, vendo o interesse aguçado daquela mulher na leitura, pus meu foco para aquele tão instigante livro que ironicamente e extraordinariamente tinha no topo da página (naquela parte destinada ao título de cada capítulo) o seguinte título “uma sociedade sem sensibilidade”, fui quase imediatamente tomado de um sorriso que na verdade mascarou uma indignação; eu pensei: “que contradição! Ela lê tão aguçadamente esse livro que diz uma “uma sociedade sem sensibilidade” e é incapaz de levantar as vistas pra me olhar com o braço engessado ou então a senhora idosa que entrou pela porta da frente! Pra que serve isso então!? Indaguei-me .

Continuei em pé e já não conseguia mais parar de olhar para aquela mulher e esperei, esperei até vê-la fechando aquele livro, que ironicamente emoldurado sobre uma capa verde e com tons em preto trazia o título “ainda há esperança”. Não me contive e dei mais um sorriso daquele que antes já havia depreendido, percebi que aquela mulher soltou dois pontos antes de mim e, perdido em meus pensamentos, nem sequer me dei conta de olhar no rosto dela e segui pensando e me perguntei o número de vezes que me fizeram perder as contas se realmente há esperança. Há realmente esperança? Pensei comigo mesmo: “essa história é tão irônica que preciso escrever sobre isso!” será que haverá esperança e teremos uma sociedade com mais sensibilidade mesmo? Será que teremos que ler livros como aquele para olhar para o próximo e ver quando ele precisa de um lugar no ônibus ou de ajuda? Se assim for, acho que com aquela mulher não surtiu muito efeito. E com você, será que você precisa de livros pra saber sobre isso?

Eu preciso que você me responda e se responda sobre isso.