Genes e coisas mais...


    
Estou há 3 anos escrevendo no Recanto das Letras e alguns se surpreendem com a minha diversificada obra literária e acham que se trata de "extraordinária versatilidade intelectual" de um escritor que transita muito à vontade por  textos espiritualistas, sociais, pedagógicos, auto-ajuda, política, contos, crônicas, poesias, humor, eróticos, etc. Nada a ver. O motivo é mais prosaico do que vocês imaginam: apenas influência dos genes maternos e paternos, inatas características da minha personalidade e experiência de vida.
     As contradições também podem surpreender: exalto em alguns textos a necessidade de se procurar a verdadeira Essência da Vida, mas em outros textos me revelo cético das religiões humanas, postando sátiras às idéias que se propagam sobre Deus, salvação, etc; sou sério e grave nos meus textos de auto-ajuda ou de inconformismo ante a atual, triste e patética realidade sócio-política brasileira; sou apaixonado e apaixonante nos meus textos românticos; no entanto, lúbrico até à medula dos ossos nos meus textos picantes e eróticos, e debochado e gaiato nos meus textos de humor.
     Examinemos a questão dos genes maternos e paternos: do lado materno, minha trisavó era índia e o meu trisavô, descendente de quilombolas. Tenho, pois, no sangue, o gosto pela vida livre e simples, o misticismo, a espontaneidade e a altivez do índio, e a resistência, a aversão pela  coerção e a sensualidade dengosa que caracterizam o negro brasileiro.
     Meu avô paterno, Vicente Cabral, paraense, era homem austero, espírita kardecista realmente praticante – religioso tipo Chico Xavier, Bezerra de Menezes, madre Tereza de Calcutá e irmã Lúcia, os quais, sem levar em conta princípios e dogmas religiosos, pregavam – e praticavam – a máxima de que “Fora do amor e da caridade não há salvação”. Eu assimilei visceralmente isso e acredito que o nosso caminho em direção à Essência – que originou toda a Vida – fica mais curto, pela oferta de um cobertor que agasalha do frio ou de um pão que mata a fome, do que pelo blá-blá-blá de textos religiosos ou pela simples prática externa em templos ou santuários.
     Meu avô materno, Santiago, era lusitano da cidade do Porto, mulherengo, doido por uma pilhéria e por uma cachaça – e dele devem ter vindo os genes do lirismo e do coração generoso e romântico do português, do gosto por um rabo de saia, do humor e, infelizmente, do alcoolismo. E os genes da luxúria, do humor - e lamentavelmente do alcoolismo - me foram reenviados, já com maior intensidade, por meu pai e meus dois tios paternos, todos mulherengos, gaiatos e cachaceiros de carteirinha.
     Mas os genes, exceto os físicos, constantes do nossa mapa genético – o DNA – não significam inexorável determinismo psíquico, mas sim predisposição psíquica. O bebê já nasce 50% pronto (pois é, nenhum bandido nasce santinho) e agasalha a influência dos genes maternos e paternos. A partir daí, é o ambiente (familiar e vivencial) e  a educação - principalmente a educação pelo exemplo -  que constroem o resto da personalidade.
     Nasci romântico, sonhador, espírito independente, liberal, com horror à hipocrisia e à falsidade, amante das Letras, das Artes e das Ciências, com certeza, características inatas; honesto, franco e corajoso, como a minha mãe era; mulherengo e debochado, como meu avô materno, pai e tios paternos eram.
     Depois, como era inevitável, cresci. Fui para o Rio de Janeiro, antiga Capital Federal, mas, antes, vi Getúlio Vargas, o tal do “Pai dos Pobres”, se matar, em 1954, declarando pateticamente: “Se as aves de rapina querem sugar o sangue do povo brasileiro, eu ofereço em holocausto o meu sangue”. Lindo e comovente isso, não é mesmo? Matava-se, portanto, pelo povo do Brasil, o que fez muita gente derramar copiosas lágrimas, enquanto essa "carta-testamento" era lida de 30 em 30 minutos, nas emissoras de rádio de todo o país, no dia do seu enterro! Menos eu que, aos 10 anos, lia muito, já tinha espírito crítico e sabia que ele se matara porque, em virtude da crise política, os ministros militares haviam exigido a sua renúncia e ele não suportava a idéia de perder o poder, porque o poder é tão viciante quanto uma potente droga.
     Vi a Revolução Militar de 64, prendendo e matando inocentes, e exilando ou cassando direitos políticos de supostos comunistas, tais como, Fernando Henrique, José Dirceu, José Genoíno, Wladimir Palmeira, Fernando Gabeira, Miguel Arraes, Lula e outros – apenas safados oportunistas políticos, que depois voltaram e retomaram o poder – e Vinícius de Moraes, Caetano Veloso e Gilberto Gil e outros – que eram cultos, inteligentes e corajosos, e diziam o que pensavam, coisa que ditadura nenhuma suporta!
     Casei com uma carioca, linda de matar – e quase me matou mesmo – fiz um filho, tornei-me cachaceiro e viciado em bolinhas, e ela disse: “Volta para a casa de tua mãe, foi ela quem te pariu erradão assim. Azar dela.”
     Voltei. Entrei para o Banco do Brasil, continuei cachaceiro, peregrinei por várias cidades do interior maranhense, cumprindo, por anos, um ritual sagrado: trabalho de segunda até a tarde de sexta, e puteiros – com as respectivas putas – dessa hora até domingo de noite.
    Para encurtar a história: fui bêbado-bosta por 30 anos, quase cheguei à demência alcoólica, parei de beber no A.A. (onde os milagres acontecem!), casei mais duas vezes – entre os casamentos, muitas amantes, algumas boas, outras, piores que um cão chupando manga – entrei numa Faculdade de Direito, mas não terminei, entrei numa Faculdade de Letras e –ufa! – terminei, tornei-me professor e depois – como era inevitável – me aposentei.
    Sem mais cliente de banco ou aluno para aporrinhar, decidi que era escritor e poeta, e vim torrar a paciência de leitores e autores virtuais na Internet, lugar em que todos os gatos são pardos, de noite ou de dia, e, como era de se esperar, trazendo na mochila os meus genes, índole e vivência! Aguentar, quem dá-de?
    Aqui no Maranhão, às vezes  sou convidado para proferir palestras em órgãos, colégios ou casas religiosas, e somente a respeito da minha experiência no sofrimento e na recuperação da dependência química, é óbvio, pois para mais o quê servirão os meus conselhos? Nessas horas, é claro que ganho uns créditos com o Grande Chefe, mas logo os perco ao sair à rua e encher-me de libidinosos pensamentos ante os rostos bonitos, peitos e bundas das mulheres que passam por mim (até quando, ó genes?), pois dizem os entendidos nos assuntos de ir para o céu ou para o inferno, que não só se peca do umbigo para baixo como também lá de cima, nos escondidos pensamentos.
   É por isso que escrevo assim...
Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 14/02/2009
Reeditado em 16/02/2009
Código do texto: T1438923
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