Carnaval made in Brazil
Todo mundo pensa que o carnaval é um a festa típica do Brasil. Afinal, o brasileiro possui o samba no pé mesmo antes de saber andar, tem gogó feito na medida pra cantar noites à fio, adora uma roupa descombinada e bebida gelada. Pronto, o Brasil adotou o carnaval, mas ele nasceu mesmo na Europa e só chegou aqui com o início da colonização, fruto da mistura do entrudo português e das mascaradas italianas. Mais tarde elementos africanos garantiram a originalidade (ilegítima) da festa.
Não importa. A origem das coisas é deveras importante, mas o que vale é o que foi gerado no coração. O carnaval infiltrou-se nas entranhas brasileiras e foi ficando com o charme do papai e a beleza da mamãe. Um ritual de despejo, descarrego, que veio para aliviar as tensões dos escravos sofridos. No início marcado por brincadeiras de rua muitas vezes violentas, o que fazia com que as senhoras e senhores brancos e finos da sociedade (Olha o preconceito aí gente!), se trancassem nas suas belas residências, em seus monumentais bailes de máscaras aos moldes de Veneza (Olha a divisão de classe aí gente!).
Desde 1641, o povo brasileiro cultiva esta tradição importada como se fosse sua e com a criatividade que lhe é peculiar incorporou-a à sua realidade. O carnaval mais do que uma festa tornou-se a manifestação de emoções vividas durante cada ano que passa. Da brincadeira inocente nos salões de baile, à exuberância da liberação sexual e sensual representada nas ruas por beldades quase nuas.
O carnaval é isto e não poderia ser diferente. Num país onde a igreja católica regimentou algumas leis de pudor universal, o brasileiro com seu jeitinho inocentemente deliberativo, decretou alguns dias de subversão geral. O que no início foi demarcado por dois territórios distintos, o dos nobres e o dos pobres, destaca-se atualmente como uma miscigenação de raças e classes, com o objetivo de ser feliz por algumas horas, esquecer o peso do fardo carregado durante o ano que passou e exaltar a esperança de um ano mais leve.
Que chegue o carnaval então! Que as máscaras sejam colocadas, as fantasias vestidas e incorporadas e que a realidade nem sempre colorida seja aliviada. Tomemos o paliativo que nos alivia das chagas de um mundo sem escravos, mais ainda escravizado. Que estoure a inocência dos confetes e serpentinas e nos afaste das barbáries que nos fazem chorar e questionar: que mundo é este, onde o cão é mais bondoso, amigo e fiel do que muitos homens? Que a música que canta a alegria, espante as dores das doenças invencíveis.
Há aqueles que não brincam o carnaval e se refugiam no raro silêncio de algum recanto e, que da mesma forma, da sua maneira, ficam reclusos para a faxina interior anual. Seja da forma que for, estes quatro dias diferenciados, estes entrudos adaptados, como tudo na vida, têm sua razão de ser.
Ouso enxergar, lá no céu, por entre alvas nuvens, Braguinha, Noel Rosa e Chiquinha Gonzaga, entoando uma marchinha recém composta. Em volta deles, meus caros, a divindade toda. Afinal, assim como o carnaval foi adotado, Deus é brasileiro e também deve abençoar este feriado.