Encontrava-me trabalhando, quando li uma notícia que me estarreceu, fazendo gelar as mais íntimas fibras de minhas entranhas:
- Brasileira é torturada na Suíça.
- Agora é que o mundo acaba de vez – pensei com meus neurônios, que não são muitos, e que talvez estejam rareando tanto quanto os últimos fios de minha cabeleira, que um dia foi vasta e que hoje lembra um desmatamento na amazônia.Comecei a discutir com as pessoas incrédulo:
- Na Suíça, logo na Suíça...
Será que o mundo enlouqueceu de vez e as bestas do apocalipse ameaçam descer do céu com suas lanças flamejantes disparando mísseis Sukov para todos os lados? Não, algo deve estar errado, tratei de corrigir-me. Fui buscar na internet detalhes do crime e, enquanto lia, enchia-me de lágrimas e de indignação fortemente reforçadas pelo meu sentimento de nativismo tupiniquim:
- Sendo uma brasileira, vamos às armas! - bradava o meu guerreiro interior. Para piorar o quadro, descobri que a jovem estava grávida e esperançosa. Afirmo que a nota revoltou-me. Grávida em terra estrangeira e longe, provavelmente, dos amigos e do afeto da família – o fato fez-me solidário e humano, de imediato.
- Onde o governo que nada faz, exigi junto a outras vozes revoltadas, sendo que vi minha fúria acalmar-se ao saber que nosso presidente e o ministro das relações exteriores se apressaram em cobrar explicações das autoridades suíças.
A impressão de que uma das nossas foi injustiçada e vítima de degradante agressão xenófoba despertou um gigante patriota que costuma emergir em épocas de Copa do Mundo, desde que o escrete canarinho não amarele. O pronto protesto de nosso líder maior arrefeceu a ira avassaladora e antes que disparasse um maior número de dardos mentais contra o povo do chocolate quente, das contas bancárias blindadas e dos notáveis relógios, tratei de acompanhar o noticiário, que a cada hora, desmontava uma versão nacional de um conto de Kafka.
- Parece que não é bem assim... - já se dizia nos corredores da repartição. A brasileira talvez tenha armado tudo. Nos jornais da noite, um parecer de técnicos suíços (são bons em outras áreas, além das que tratam de acertar os ponteiros que medem a vida) tratava de, em ritmo impassível, desmontar o móbile colorido que me atordoara tanto.
- A jovem não estava grávida no momento da agressão, parece ter provocado um aborto!
- E a qual pretexto?
- Tentava segurar um suíço sob as mantas de um ventre fértil.
As peças do quebra-cabeças começaram a se encaixar e, sem querer julgar, aguardando novos e estarrecedores esclarecimentos, logo compreendi que nossa conterrânea, atendendo a momento de fraqueza, armou uma agressão a pretexto de ser adequadamente amparada pelo ex-futuro pai de seu filho. Pouco acostumados a manobras do tipo devem ter os suíços arranjado novos argumentos para justificar um determinado sentimento contra os filhos de terras distantes. Continuarão impassíveis em sua neutralidade e respirando candidamente os bons ares dos alpes. Por aqui o caso há de ser esquecido, como tantos outros, vindo a virar roteiro de uma boa novela das oito. A alma nacional, deste modo, sai mais uma vez arranhada e a auto-estima canarinho derrapa na curva da moral. Só me resta perguntar ao vazio:
- Quem chorará por nós...