E NO FOGO DO INFERNO, QUEM MAIS ACREDITA SEU PADRE?
Pensar é comigo mesma, pra isso tenho cá o meu pensatório e neste instante suspiro fundo e reclamo aos céus por não ter nascido lá pelos idos de mil e seiscentos e qualquer coisa e não tivesse sido outra, senão a rainha Cristina da Suécia, que residia em Roma e era amiga e o tinha como confessor, nada mais, nada menos, de que o padre Antônio Vieira, que além de ouvir os pecados de suas ovelhas ainda as brindava com belas peças, como bom sermonista que era. Mas, já que não vivi em tão prisca era, na condição de rainha Cristina, vivo agora neste mundo “ Mundo mundo vasto mundo / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução”.(Naturalmente, todo mundo sabe que esses versos são do Drummond). Como ia dizendo, vivendo eu neste vasto continente chamado Brasil mergulhado em sua malafamada crise de honestidade, onde a lei é DURA LEX SEDE LEX ,mas tem que ser cumprida, (com todo o respeito, faz-me rir) melhor explicando, – só é dura e tem que ser cumprida em cima dos “lheguelhé”, fico imaginando em quais faces subiriam o rubor, se em meio a uma dessas costumeiras missas de ação de graças, surgisse no púlpito a figura do padre Vieira e mandasse ver um sermão desta natureza: “ O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu falo, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; as quais debaixo do mesmo nome e do mesmo procedimento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, os espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o Governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com a manha, já com força roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem e estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados; estes furtam e enforcam.”
Agora, digo eu: e no fogo do inferno, quem mais acredita, seu padre?