Oportunidade
OPORTUNIDADE
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.02.2009)
- Oi, amiga! Que bom te encontrar aqui! Estava mesmo querendo muito falar contigo!
- Oi, querida! Que coincidência, não?, a gente se esbarrar aqui, a cidade tão grande, já...
- Que nada, amiga! Coincidência foi a gente estar no mesmo shopping na mesma hora. Aqui dentro, não: te vi levantar e vim atrás de ti. Gatão, hem?
- Como?
- O gatão ali contigo, amiga, na mesa, tomando um chope. Esse é aquele?
- É, querida, é aquele mesmo. Agora mais meu do que nunca.
- Verdade? Nem acredito, amiga! Que bom! Conseguiste, então?
- Até que enfim, querida. Foram dois anos de sufoco. Mas agora, por fim... Estou tão feliz, querida! Nem imaginas!
- Imagino... E a filharada?
- Coisas da vida, querida. Com o tempo essas coisas se ajeitam. Tenho cá minhas ideias sobre como lidar direitinho com esse assunto também...
- Amigona! Continuas a mulher inteligente que sempre foste! Me diz aqui, não é intromissão não, é preocupação sincera com a amiga do coração: ele está bem, não é?
- Ele? Ele está ótimo, querida! É o maior poluidor do Estado. Além disso, pra ele qualquer coisa construída há mais de 10 anos é velharia que precisa dar lugar ao moderno, ao prático, ao funcional: ele vai lá, compra e põe abaixo. Depois, aos poucos, sem muita pressa, lança ali um empreendimento qualquer, de qualquer coisa, uma incorporação, essas coisas.
- Meu Deus, amiga! Ganhaste na loteria!
- O maior agressor do meio ambiente da Ilha, querida! Já imaginaste? Está cheio da grana!
- E é um coroa bonitão, saradão...
- Que é isso, querida?
- Pois não é verdade, amiga? Mas me diz aí: quando é que saiu a decisão final?
- Esta semana, querida, esta semana. Estou tão nervosa... Sabes por que? Porque hoje ele me disse: Agora que saiu o divórcio, meu amor, podemos começar a pensar no nosso casamento.
- Nossa, amiga! Ele está apaixonado assim?
- Assinzíssimo, querida. Agora é a minha vez, agora que afastei por fim aquela vivaldina, a espertalhona da mulher dele, que levou uma bela fortuna pra dar o fora.
- Que alívio pra ti, hem, amiga?
- Claro, querida. Quero ver agora quanto tempo vou aguentar ao lado dele. Afinal, não posso perder a minha juventude toda com ele. Deus que me livre!
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Insidioso Fato - algumas historinhas cínicas e moralistas", contos, UDESC/Editora, Florianópolis)