Lucidez e Parcimônia

Quando escrevi a crônica que abordava o aniversário da Revolução de 64 sabia de antemão que ela iria repercutir, mesmo porquê passadas quatro décadas do episódio que foi batizado oficialmente de “Revolução”, ainda existem pessoas que se inflamam em polêmicas e discussões sem fim , na maioria das vezes desprovidas de qualquer fundamento e impulsionadas apenas pela paixão subjetiva .

Já para quem pretende abordar o tema com uma dose maior de lucidez e dentro de uma abordagem com o máximo de imparcialidade, as conclusões serão bem diferentes e bastante mais construtivas, notadamente no que toca ao registro dos fatos enquanto parte imutável da história de um povo e da construção de uma nacionalidade. Dentro desse diapasão o começo de tudo passa pela negação da definição de “Revolução”. Só mesmo os protagonistas do golpe militar ainda adjudicam essa terminologia.

Os episódios deflagrados em 1964 não passaram de uma “quartelada”, movida e acelerada por uma grande conspiração e ao sabor de interesses corporativos e individuais, tanto de dentro do País como e , principalmente , de fora quando os grandes capitais internacionais , a pretexto do combate à expansão do comunismo , ocuparam posições estratégicas no comando das economias subdesenvolvidas.

Quando surgem os delirantes discursos do flamante crescimento econômico registrado nos chamados “anos de chumbo” – também batizado de “milagre brasileiro” – poucas são as vozes que se erguem para ponderar que ali estava sendo construída e nascendo a gigantesca dívida externa e também naquele ponto da história abandonava-se por completo a malha ferroviária e o transporte hidroviário, cedendo o regime militar às pressões de multinacionais cujo interesse era o desenvolvimento milionário do transporte rodoviário , hoje responsável pelo alto custo do frete em nossa economia.

Nossa ainda incipiente democracia, contudo , precisa ter a humildade de reconhecer que necessita de muito aperfeiçoamento , em especial na autocrítica das acomodações de “companheiros” e distribuição de cargos e – fundamentalmente – no combate à corrupção , estes sim males que foram registrados em muito menor proporção durante o regime militar, pois justiça se faça – em regra – a “milicada” é mais honesta e patriota do que a enorme maioria dos políticos.

Penso que o pior de todos os males causados pela didatura militar foi o de ceifar o debate político , indispensável ao desenvolvimento de uma cidadania plena, tendo criado ao longo de duas décadas algumas gerações de alienados , marca registrada de uma sociedade egoísta e individualista que transformaram a atualidade brasileira numa indecifrável incerteza. Com lucidez e pouca parcimônia, dá para entender o atual momento brasileiro, inclusive as desigualdades sociais e a violência ululante .