MORREU - Mortos, não santos
Esse meu humor ainda matar um qualquer dia desses.
Com bastante frequência, solto essa:
― AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA, quero minha mãe.
Um monte de gente diz o mesmo e tudo bem, mas eu...
Na sequência, costumo completar:
― Se ela aparecer aqui acho que você vai correr.
Ou
― OPS. Melhor aqui não, tem muita gente.
E caio na risada, porque para mim não há outro jeito de lidar com isso.
Em geral, recebo um olhar assustado.
Minha mãe não é nenhum monstro, CALMA.
Ela até me deu algumas surras a base de um All Star de cano longo da minha irmã, um bilhão de conselhos, uns puxões de orelha, muito colo, alguns gritos, música aos ouvidos cantada enquanto cozinhava.
Minha mãe não é nenhum monstro, apenas um fantasminha camarada. MORREU.
Eu digo que a mãe morreu e brinco com a situação?
Eu não posso deixar de ver graça na história dela aparecendo, só isso.
Imagina a cena: eu, no trânsito engarrafado de São Paulo, parada há três horas praticamente no mesmo lugar e minha mãe aparece. Visualizei minha amiga saindo correndo entre os carros e gritando: − FANTASMA.
Para mim é hilário.
Minha mãe foi uma mulher linda e especial, a ela devo 100% dos méritos do meu equilíbrio emocional, do meu amor pelo mundo e pela vida.
Ela morreu sim, mas não virou santa como quase todos os mortos. Não devo reverências rebuscadas, apenas respeito na medida.
Os mortos tiveram prós e contras, foram fortes e fracos, lindos e feios.
Seres normais que passaram por esse mundo, alguns fizeram histórias marcantes para a humanidade, outros para a família, de alguma forma, escreveram seu nome nesse planeta.
Mas ninguém assinou um atestado de santidade ao entrar no túmulo.
Qual é o critério principal para canonizar alguém? MORTE.
Se tivesse vivo, queria ver comprovar essa santidade.
Toda pessoa viva ou morta escorregou em um momento inoportuno, falou demais e magoou alguém, foi prático além da medida ou enrolado além do suportável, cuspiu no prato que comeu, não cumpriu uma promessa, MENTIU.
Não há santidade na humanindade, é mais fácil canonizar um cachorro- PUTS, nem esse pode, porque todo cachorro já rasgou um saco de lixo ou fez merda na calçada do vizinho.
As pessoas não deixam de ser belas por terem cometidos erros. Quem errou viveu as consequências dos atos. O melhor para mim é ver a história da minha mãe e aprender com tudo, até com os momentos falhos. Ela não foi santa e exatamente por isso me ensinou a viver a vida de forma humana.
Tenho direito de brincar com a história dos meus mortos e assim espero que seja comigo.
Quero uma história de verdade e não um conto de fadas cheio de purpurinas.