REZAS, BANDEIRAS E TROPEÇÕES
Como eu gostava daquela procissão! Quantas recordações trago no coração e na alma, daqueles tempos de menino, participando da vida religiosa da cidade.
Acordava cedo, mais ou menos às 4 da manhã. Tinha que me preparar, arrumar para ir com minha mãe até à Igreja Matriz, de onde sairia a procissão da 5ª. Feira Santa.
Morávamos bem no alto da cidade e até à igreja tinha mais ou menos um quilômetro.
Não via a hora de chegar para encontrar com meus colegas. Juntos formávamos um batalhão – ou seria, a infantaria, pois o padre e seus ajudantes nos colocavam em fila a puxar a procissão, somente atrás da cruz, do andor e das bandeironas azul e branco, lindas, mais parecendo torcida da Argentina. (No quintal de casa, passava um pequeno córrego, e eu mais Noé, um amigo de infância – que já se bandeou pro lado eterno – pegávamos folhas de bananeira e cantávamos, a plenos pulmões: “A Bandeira de ‘gódia’, O pendão de Jesus Salvador...)
Nesta procissão só iam os homens. As mulheres formavam outra procissão, sendo que uma subia a avenida Dona Tereza e a outra a avenida Carlos Fernandes. Saíam as duas do mesmo lugar e depois de uma boa caminhada, novamente se encontravam no mesmo lugar. Era emocionante! Dava-se então o encontro de Jesus flagelado com sua mãe. Era tudo muito triste, com a maioria das pessoas se vestindo de cores escuras em sinal de luto e de dor.
De vez em quando o séqüito parava e então, surgia uma mulher - toda vestida de preto - que começava um canto triste, numa linguagem ininteligível, que nos fazia chorar de tanto dó.
Eu não gostava desses momentos. O bom era quando estávamos caminhando em fila, pelas ruas da cidade,onde íamos arregimentando munições para os nossos propósitos. Como as ruas eram de terra batida, e estando na frente, pegávamos pedras, pedaços de pau e tijolos, que íamos deixando estrategicamente no caminho, para que, algum incauto pudesse neles tropeçar. E quando acontecia, para nós era como se fosse um gol e uma verdadeira festa! Era um verdadeiro jogo, onde disputávamos um campeonato, a fila do lado direito contra a fila do lado esquerdo.
Isso também acontecia nas outras procissões, realizadas no período noturno, à luz de velas, naquelas ruas escuras e esburacadas daquele mundinho querido de Sant'Anna .
E havia um padre, que dizia: "meninas pra cá, meninos pra lá!" E era um saco! – aí ficava difícil, porque nos separavam das meninas, e com elas não tinha papo, nem jogo, e a procissão passava a ser uma coisa chata, que demorava acabar.
Mas, tudo passa nas contas do tempo...
(in Sant'Anna dos Olhos D'Água - Crônicas)
Vinhedo, 23 de agosto de 2008.
Como eu gostava daquela procissão! Quantas recordações trago no coração e na alma, daqueles tempos de menino, participando da vida religiosa da cidade.
Acordava cedo, mais ou menos às 4 da manhã. Tinha que me preparar, arrumar para ir com minha mãe até à Igreja Matriz, de onde sairia a procissão da 5ª. Feira Santa.
Morávamos bem no alto da cidade e até à igreja tinha mais ou menos um quilômetro.
Não via a hora de chegar para encontrar com meus colegas. Juntos formávamos um batalhão – ou seria, a infantaria, pois o padre e seus ajudantes nos colocavam em fila a puxar a procissão, somente atrás da cruz, do andor e das bandeironas azul e branco, lindas, mais parecendo torcida da Argentina. (No quintal de casa, passava um pequeno córrego, e eu mais Noé, um amigo de infância – que já se bandeou pro lado eterno – pegávamos folhas de bananeira e cantávamos, a plenos pulmões: “A Bandeira de ‘gódia’, O pendão de Jesus Salvador...)
Nesta procissão só iam os homens. As mulheres formavam outra procissão, sendo que uma subia a avenida Dona Tereza e a outra a avenida Carlos Fernandes. Saíam as duas do mesmo lugar e depois de uma boa caminhada, novamente se encontravam no mesmo lugar. Era emocionante! Dava-se então o encontro de Jesus flagelado com sua mãe. Era tudo muito triste, com a maioria das pessoas se vestindo de cores escuras em sinal de luto e de dor.
De vez em quando o séqüito parava e então, surgia uma mulher - toda vestida de preto - que começava um canto triste, numa linguagem ininteligível, que nos fazia chorar de tanto dó.
Eu não gostava desses momentos. O bom era quando estávamos caminhando em fila, pelas ruas da cidade,onde íamos arregimentando munições para os nossos propósitos. Como as ruas eram de terra batida, e estando na frente, pegávamos pedras, pedaços de pau e tijolos, que íamos deixando estrategicamente no caminho, para que, algum incauto pudesse neles tropeçar. E quando acontecia, para nós era como se fosse um gol e uma verdadeira festa! Era um verdadeiro jogo, onde disputávamos um campeonato, a fila do lado direito contra a fila do lado esquerdo.
Isso também acontecia nas outras procissões, realizadas no período noturno, à luz de velas, naquelas ruas escuras e esburacadas daquele mundinho querido de Sant'Anna .
E havia um padre, que dizia: "meninas pra cá, meninos pra lá!" E era um saco! – aí ficava difícil, porque nos separavam das meninas, e com elas não tinha papo, nem jogo, e a procissão passava a ser uma coisa chata, que demorava acabar.
Mas, tudo passa nas contas do tempo...
(in Sant'Anna dos Olhos D'Água - Crônicas)
Vinhedo, 23 de agosto de 2008.