CONTO DE NATAL
 
 
 
_ Jingobél, jingobél , jinguolduei .......
_ Maria, tu vais cantar em inglês ou em português?
_ Em ingrês, sim, sinhora!
_ E tu já sabes a letra toda?
_ Sei não, sinhora. Mas eu vou cantar só as partes que eu sei ...
_ Veja bem, não me  vá a cantar coisas indecentes!
_ Vixe Maria, canto não, sinhora! 
 Jingobél, Jingobél, Jinguolduei.... lara-rá, lara-lá, laralá-laiá ...

E lá se foi a ladainha, a tarde inteira. Era jingo pra cá, jingo pra lá, e uma infinidade de laralá- laiá. Maria, a empregada do 501 trouxera para aquele edifício carioca, uma modalidade bastante pessoal de alegrar o Natal. Sua voz estridente ecoava pelo respiradouro da área de serviço, espécie de garganta daqueles antigos prédios de Copacabana, e se alastrava pelas cozinhas dos apartamentos de frente e de fundos. Algumas janelas se fechavam. Outros, mais tolerantes e, tentando manter o espírito natalino, onde se deve amar ao próximo como a si mesmo e perdoar aqueles que não sabem o que fazem, deixavam-se penetrar pelo som da cantoria com paciência e esperança de que Maria fosse vencida pelo cansaço. 

Depois de quase uma hora de cantoria intermitente, não foi surpresa escutar alguns vizinhos tentando completar os pedaços da letra “em ingrês” que Maria não sabia. Começou-se a ouvir também, murmúrios e assobios que se juntavam à canção de Maria:
_ Hum- hum-hum , hum-hum-hum...  fiu-fiu-fiu-fiufiu...

Dava para perceber que os que acompanhavam Maria pareciam também não saber toda letra em inglês e, de vez em quando, alguém deixava escapar a parte "proibida" da música com um tímido e distraído:
_ O jornal ta caro, caro pra chuchu, ....

 
Como um mantra, a música natalina foi se apossando da área de serviço do prédio e dos ouvidos dos vizinhos que, de certa forma, se tornaram cantores passivos e coniventes com a cantoria de Maria. E se ela desse uma pausa, ouvia-se logo o assobio ou voz de alguém entoando o jingobel, como se estivesse numa atividade cerebral mecânica e compulsiva, o que desencadeava logo em seguida outros assobios, murmúrios e, novamente, a voz da Maria. 

Essa compulsão coletiva foi se arrastando pela tarde inteira e se misturava ao cheiro de assados, frituras e bolos que tomavam conta do prédio. 
_ Jingobél, Jingobél, jinguol duei ....
O coro continuava e já não havia mais timidez ou resistência daqueles que, como Maria, trabalhavam para deixar pronta a ceia de Natal. A espontaneidade se apoderava de todos e a “versão proibida” da letra, em português, parecia que ia chegando cada vez mais perto de todos.

Por troça ou distração, alguns foram deixando escapar:
_ O jornal ta caro, caro pra chuchu ...
Ao que Maria, finalmente, na estridencia de sua voz, arrematou:
_ O que é que eu faço, pra limpar meu ...

Risos em geral:
_ Mariaa !!! - gritou Dona Vanda - O que foi que eu te disse?
_ Discupe, Dona Vanda! Saiu sem querê ... Foi o moço lá de baixo que me inspirô ...
 _ Chega de cantar por hoje. Só quando tu souberes toda letra em inglês é que eu vou te deixar cantar essa música denovo.
_ Sim, sinhora ! E assobiar, pode?
_ Não, porque eu vou achar que tu estas assobiando aquela parte indecente em português
. Canta outra musica! 

Só que Maria se calou e o prédio todo silenciou. Ninguém parecia saber entoar mais nenhuma canção de Natal. Ouviu-se uma frustração silente no ar e toda aquela algazarra ingênua que havia se instalado naquele lado do edifício parecia ter sido censurada e reprimida pela patroa da inocente Maria. Depois de alguns minutos, algumas janelas se abriram e algumas cabeças levadas, talvez pela curiosidade de saber onde estava a cantora da tarde, saíram às janelas.

Como num encontro casual, as pessoas começaram a se cumprimentar.
_ Olá! Feliz Natal !
_Obrigada, Feliz Natal para você também. É de sua cozinha que está vindo este cheiro delicioso de bolo?
_ Não. Deve ser do apartamento de cima. Eu estou fazendo rabanadas. Você gosta? Levarei algumas para você.
_ Olá, seu José. Feliz Natal!
_Feliz Natal para vocês também!

E foi um tal de Feliz Natal para cá, Feliz Natal para lá, até que alguém perguntou:
_ Quem é a Dona Vanda?
Do 5º andar apareceu uma senhora portuguesa que se apresentou como tal. E o coro foi geral:
_Onde está Maria? Nós queremos cantar jingobél!...
 
Sorrindo, Maria apareceu ao lado de Dona Vanda e foi aplaudida por todos que, em coro, ressoaram:
FELIZ NATAL, MARIA !!
 
 
Rio, dez de 2008